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terça-feira, 4 de novembro de 2008

W A L K Y R I A

bRUDER kLEIN


O presente texto encontra-se registrado no Escritório de
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Bruder Klein
Av. São João Batista, 384 - Bloco B7 - Apto.23
Rudge Ramos - São Bernardo do Campo SP
09635-000
E-Mail: mik346@hotmail.com


A P R E S E N T A Ç Ã O


Este conto já foi publicado como parte do meu primeiro livro "Mensagens e Reflexões" e os que o leram entenderam, até, que faria parte da biografia do autor:


Bruder Klein

Gostei bastante do seu livro. É verdadeiro, honesto, otimista. Acreditar na vida quando tudo parece tão difícil, caótico, é a maior mensagem que se pode enviar aos nossos semelhantes.
Alcino José de Souza Filho

Klein
Seu livro é riquíssimo em mensagens otimistas e inteligentes que penetram facilmente no íntimo da gente. É dotado de profunda sabedoria extraída de experiências provindas de sua vida, cotidiano e imaginação criativa que penetra na realidade do ser humano. Só uma pessoa que conhece a si mesmo, tem condições de transcrever tamanho conhecimento.

Savinho
27/04/1.988

Gostei muito dos seus escritos. São de leituras fáceis e demonstram toda a sua capacidade criativa.
À medida em que se vai lendo, mais se quer chegar ao fim, sempre preso a uma gostosa sensação.
Conhecê-lo me ensejou a felicidade de ler seus trabalhos que, com sinceridade, me fizeram bem.. Um Abraço do amigo
Mário Zamarian ( Malim)
17/08/1.989

É a tenacidade sofrida à busca de um ideal. Leitura atraente e fluente.
Quanto aos outros escritos é uma vida que se desenrola contando sua própria história.
A história é positiva e edificante.
Meu desejo que complete seu ciclo na conquista de sua total realização e ajuda, instrução dos que ficarem. Do Amigo Mário
(Prof. Mário Robertson de Sylos Filho)

Apesar da história de amor e de suspense do encontro, o autor caminha com os pés no cotidiano, inclusive citando nomes de ruas e bairros de São Paulo.
O autor revela capacidade de prender a atenção do leitor, criando uma história pura, que interessa tanto para adultos como o jovem.
Sentimos a presença do autor em todo o enredo, sugerindo que ele realiza um antigo sonho neste texto literário. Parabéns

Dr. Getúlio Cardoso da Silva
26/01/1.990
Neste opúsculo apresentamos um conto (Walkyria) que se apresenta como um misto de sonho e fantasia, estando ainda misturado com algo de realidade; não uma realidade material, se pudermos assim dizer, mas uma criação subjetiva, presente em nosso íntimo e apresentando-se como ficção. Divagamos sobre alguma coisa que gostaríamos houvesse acontecido em nossa vida. Fantasiamos os acontecimentos para alcançarmos, mesmo que fosse apenas em nosso imaginário o que seria o ideal maior de nossa vida. E acreditamos que seja o ideal da humanidade. O encontro do amor, verdadeiro e correspondido apresenta-se como o ideal maior da humanidade e ele, aqui, talvez nunca seja encontrado, barrado pôr obstáculos intransponíveis de tempo e espaço. Precisaríamos ser super homens para vencermos esses obstáculos, para sermos senhores da eternidade e podermos abracar passado, presente e futuro, e podermos viajar pelo universo. Mas a vida não é sonho nem fantasia; é realidade sem ficção, razão que nos leva, muitas vezes, a nos afiliarmos a uma madrasta.
Desejamos solicitar para que não exijam muito de uma pessoa que terminou sofrivelmente o curso primário (4º serie do 1º grau). Na verdade não sei escrever; por certo muitos erros serão encontrados, mas creio que não prejudicarão a compreensão do conteúdo. Esperamos que as palavras simples que foram rudemente alinhavadas, possam servir para que espíritos mais lúcidos possam colocar-se a serviço da humanidade, criando ilusões, satisfazendo fantasias.
Trata-se, na verdade de uma história vivida no mais íntimo da alma e mesmo que seja uma ficção a participação subjetiva do autor permeou cada instante, permitindo a exteriorização da alma, pelas emoções que provocou, pois em certos momentos a mim parecia ser, de fato, o protagonista.
Sendo publicado no final da obra referida e como o livro é de alguma extensão muitas pessoas não tomaram conhecimento dessa parte que consideramos a melhor do livro, razão porquê estamos apresentando-a separadamente para que pelo título chame a atenção dos leitores digitais; espero que as pessoas que o lerem possam ter um bom entretenimento vivendo as mesmas emoções do autor.

Bruder Klein


W A L K Y R I A

Como, de amor, uma mensagem
A flor que eu oferecer queria
Seria a mais bela homenagem
De saudade, um pleito a Walkyria

Bruder Klein
23 de Julho de l.943!
O inverno era sentido no seu maior rigor. Um vento enjoado e cortante fazia com que todos se recolhessem às suas casas. Eram seis horas da tarde , e os pássaros, tristonhos, procuravam os seus ninhos a fim de se protegerem, para enfrentarem a noite, que como um manto negro, envolvia tudo em sombras.
Ao longe, ouvia-se um ronco de motor. Era um velho caminhão que subia a estrada acidentada, serpenteando para desviar-se das enormes valas produzidas pela erosão. No seu interior viajavam quatro pessoas: O motorista, um homem atarracado aparentando, mais ou menos, quarenta anos; uma senhora, de trinta anos presumíveis, feições severas; uma menina de dez ou onze anos, cujos olhos, lindos, demonstravam uma certa melancolia, naquele momento. Talvez motivada pelo cansaço ou por algo que passava-se em seu íntimo; finalmente, um menino de três anos de idade, cabelos alourados e encacheados, olhos claros. Pela expressão de suas fisionomias deduzia-se terem empreendido uma longa viajem. De todos, o menino era o mais disposto; tendo dormido durante boa parte da viajem, acordava bem disposto para apreciar a chegada em Itapeva, onde, dali por diante passaria a residir. Vendo que chegavam à cidade perguntou à mãe:
- Mamãe, o papai está nos esperando?
- Sim, Zetinho, daqui a pouco você o verá.
- O Sr. Alécio veio na frente para comprar um cavalinho para o Zetinho passear - disse o motorista, em tom de brincadeira - ele me disse isso.
Depois, dando expansividade ao espírito quis brincar, também, com a menina.
- Só a Walkyria é que está muito triste, estou desconfiado que deixou algum namorado lá em São Paulo.
- Não, não deixei, Seu João, sou ainda muito nova e depois . . .nunca vou me casar!
- Todas dizem a mesma coisa, porém, quando chega a hora mudam de idéia.
- Comigo não será assim - respondeu a menina - tenho certeza!
- O namorado dela é o chinelo, pelo menos por enquanto, ela precisa, ainda, comer muito feijão, para depois começar a pensar em bobagens - disse Da. Ângela, mãe de Walkyria, ponto fim a brincadeira.
Walkyria estava lívida. Se adivinhassem o que se passava em seu íntimo, não estariam tripudiando em sua alma, em seu coração!
"Realmente", pensava, "essa viajem, para longe de São Paulo, seria o fim de sua vida. Ao desabrochar da idade sentia-se irremediavelmente perdida por distanciar-se daquele, que pela primeira vez, havia feito pulsar o seu coração! A decisão de seu pai, de mudar-se para o interior, matara, no nascedouro, o amor que, sentia, nunca mais ser capaz de esquecer".
Ao mesmo tempo em que Walkyria assim pensava, outro drama era vivido em São Paulo, quando um rapaz de quatorze anos, olhos verdes e cabelos castanhos, chegava em casa, em um bairro distante do centro.
- Sua benção mamãe.
- Deus te abençoe, meu filho.
Dirigiu-se ao banheiro para o seu banho e depois de vinte minutos sentava-se à mesa, onde já estavam sua mãe e sua priminha, que já jantavam. Durante o jantar o pensamento de Nielk - esse era o seu nome - trabalhava.
"A uma semana que não via a sua amada. Uma longa semana de trabalho, voltando tarde para casa o havia impossibilitado de ver, sequer de longe, aquela que era a dona incondicional do seu coração. No dia seguinte, porém, seria sábado e logo depois do almoço, quando voltasse para casa, iria passar em frente da casa dela e a veria! Não faria mal se a mãe de Walkyria lhe advertisse balançando-lhe a mão como a dizer-lhe:
- Pare de olhar para cá senão vai apanhar.
"Passaria quantas vezes quisesse, a rua era pública!"
Entregava-se a esse devaneio, alheio a tudo que passava-se à sua volta.
"Como era feliz! Que deliciosa embriaguez lhe provocava aquele primeiro amor! Sentia ser, para sempre, a razão de sua vida e se o perdesse não seria capaz de resistir!"
Sua priminha chamou a sua atenção.
- Sabe, Nielk . . .aquela família vizinha . . .a Walkyria?
- Sim, o que é que tem? perguntou Nielk , "desinteressado".
-. . .eles mudaram.
Se lhe tivessem anunciado ter desprendido-se a abóbada celeste e que estava prestes a ser esmagado, não teria sido tão forte o choque recebido! Nielk quase desfaleceu e a custo conteve-se, tentando esconder, dos demais, o que passava-se consigo.
À dona Lourdes não passou despercebido o drama que atormentava seu filho, porém, Verinha, alheia a tudo que se passava, continuou:
- Sabe, titia, a Walkyria era namorada do Nielk, ela me falou um dia.
- Não fale bobagem, menina, repreendeu Da. Lourdes.
- Eu nunca pensei nisso - mentiu Nielk - só conversava com ela às vezes em que o irmãozinho dela fugia de casa para vir conversar comigo. Então ela vinha buscá-lo. Ele gostava muito de mim.
- É, disse Verinha, quem mandava ele fugir era ela, para poder vir buscá-lo e conversar com você. Não era só o Zetinho que gostava de você, ela também gostava.
Essa revelação descontrolou ,ainda mais, o espírito já descontrolado do rapaz. Pediu licença e retirou-se para o seu quarto. Lá, sozinho, entregou-se completamente à sua dor.
"Que angústia sentia! Por acaso a Walkyria estaria sentindo o mesmo que ele? Não, não era possível! Se gostasse ao menos um pouco dele teria deixado algum endereço! Lembrou-se que ela contava apenas onze anos! Era, ainda, uma criança! Ele mesmo, sendo homem e tendo três anos a mais que ela, talvez não tivesse tido a iniciativa! Revoltava-se contra a sua timidez. Não fora ela e teria conversado com Walkyria; entre eles teria havido um entendimento e, nesse momento, talvez, ele saberia onde encontrá-la. Porém, se nunca falara de amor, como ela poderia imaginar os seus sentimento? Essa duvida o esmagava. Possuía apenas um nome :Walkyria - seria assim mesmo que se escrevia? Assim, como . . . poderia encontrá-la? Nem, ao menos, sabia o seu nome completo. Teria de dar um jeito de encontrá-la!
. . . passaram-se quatro meses
Em uma tarde de sábado, em que se dirigia para um campo de futebol, próximo à sua casa, Nielk encontrou-se com o negro Gonçalo. Imediatamente reabriu-se-lhe a ferida, ainda não cicatrizada. Gonçalo havia trabalhado, muito tempo, na fábrica onde o pai de Walkyria era gerente; talvez ele lhe fornecesse alguma informação!
- Como vai, Gonçalo? a quanto tempo não o vejo.
- Bem, obrigado, e você?
- Eu estou bem. Onde você tem andado?
- Estou residindo no interior - respondeu Gonçalo - fui trabalhar em Itapeva, com o Sr. Alécio. Aquele que era seu vizinho, lembra-se?
- Sim, o filhinho dele ia sempre lá em casa.
- Amanhã volto para lá - continuou Gonçalo - vim só visitar minha mãe. De quando em quando tenho que vir ver a velha, matar saudade. Até outro dia, Nielk
- Até outro dia, Gonçalo.
Nielk gostaria de perguntar por Walkyria, saber mais alguma coisa, porém, não teve coragem. Só com o que havia conseguido já irradiava de felicidade. Era como se já houvesse encontrado a sua amada. Saber para onde ela havia ido era um grande passo! Não sabia se o lugar era perto ou longe mas isso não importava, chegaria lá! Agora, já antegozava a alegria de reencontrar aquela que era a razão de sua vida.

E o tempo passava!

Os projetos de Nielk não eram fáceis de serem realizados. Sendo órfão de pai, era obrigado, juntamente com seu irmão mais velho, prover às necessidades da casa. E depois, como poderia fazer uma viajem? Que explicações daria à sua mãe? Era difícil concretizar o seu sonho, porém ele acarinhava-o, tendo a certeza de algum dia realizá-lo.
Mais três anos passaram-se. Nielk contava dezessete anos e chegou o dia a tanto esperado. Parecia ter-se passado um século! Simulou ir passar uns dias das férias com o seu colega Walter, que se mudara para Jundiai e foi diretamente para Itapeva. Sua mãe dera-lhe consentimento para viajar.
Tomou o trem na Estação da Estrada de Ferro Sorocabana, viajando em um vagão de segunda classe, sem as mínimas condições de conforto; parecia-lhe, porém, cavalgar em uma nuvem divina. As horas transcorreram rápidas, embalado que estava pelo seu sonho maravilhoso.
Via-se frente a frente com Walkyria; como ela deveria estar linda! Havia-se passado tanto tempo! Será que ela lembraria dele? Tinha a certeza que sim! Assim mesmo, simularia um encontro casual. Depois que a localizasse se apresentaria e sondaria os seus sentimentos. Se ela não manifestasse sentimentos iguais aos seus, também nada diria. Isso seria o seu fim e não desejava admitir nem por hipótese. E se não a encontrasse? Afinal de contas sabia unicamente o seu primeiro nome e não poderia sair perguntando pela cidade se a conheciam!
O trem chegou à estação eram dezoito horas. Tomou um táxi e pediu que o mesmo o conduzisse à cidade que deveria distar uns três quilômetros.
- Onde posso me hospedar? perguntou ao motorista.
- Bem, posso levá-lo no Hotel Itália. Lá os quartos são muito bons e a comida é ótima, de primeira, informou o motorista.
- Está bem, pode levar-me para lá.
- O Sr. não tem parentes aqui? quis saber o motorista.
- Não, eu nasci e criei-me em São Paulo e todos os meus parentes residem lá, respondeu Nielk.
- Então . . .o Sr. veio passear aqui! Não vai ter muito que ver nesta cidade estagnada. Isso por estar nas mãos de meia dúzia de pessoas. Eles estão bem e não ligam para o trabalhador, a quem o progresso da cidade seria fundamental. Se o governo pegasse essas terras que não são aproveitadas e dividisse para quem deseja trabalhar, a cidade, em pouco tempo, cresceria!
Estavam, já, entrando na cidade, que ficava aquém da imaginação de Nielk . Umas poucas ruas estreitas ladeadas por construções seculares. Uma Praça (Anchieta) onde se erguia a igreja local. Esta deveria ser mais antiga de que a maioria das construções que circundavam a praça.
O táxi percorreu algumas ruas e virando à esquerda, em sentido contrário ao caminho que levava à praça, e foi parar na frente do hotel. O motorista acompanhou Nielk até a portaria, levando-lhe a mala; recebendo o preço da corrida, retirou-se.
Na portaria foi recebido pelo proprietário do hotel; um senhor de descendência italiana, calvo, com rosto avermelhado, que ostentava um sorriso nos lábios
- Seja bem vindo ao Hotel Itália, jovem, esperamos que a sua permanência seja longa.
- Não sei quantos dias ficarei aqui. Penso que não muitos dias, tudo depende da realização dos meus projetos. Terei que voltar a São Paulo o mais breve possível.
O hoteleiro deu uma ficha a Nielk e este a preencheu: Nielk Jowla Rimidalw, procedente de São Paulo; residente à Rua Voluntário Delmiro Sampaio, 462 - Santo Amaro.
Em seguida foi conduzido ao quarto numero 14. O primeiro do corredor, à esquerda. Tomou um banho e depois de tomar apenas um copo de leite que pedira ao hoteleiro, deitou-se e adormeceu, pensando no que poderia lhe acontecer no dia seguinte.
Acordou, no dia seguinte, com o repicar dos sinos. Era domingo e os fieis eram chamados para assistirem à missa. A princípio assustou-se, parecia-lhe estar sonhando, porém reencontrou-se logo e saltou da cama. Tomou banho e aprontou-se para ir à missa. Quase nem tomou café, tal era a sua ansiedade de tudo conhecer e tentar realizar o sonho de a tanto tempo acalentado.
Saindo do hotel, andou um quarteirão e encontrou-se na Praça Anchieta, atravessou-a e penetrou na igreja. Ao transpor a porta de entrada fez um pedido íntimo:
"Padroeiro desta cidade, fazei com que se cumpra o meu desejo e eu encontre aquela que é a razão da minha vida, da minha existência!"
A igreja estava lotada e Nielk ficou em pé, bem atrás, de onde podia ver tudo; dali assistiu à missa. Quando o padre encerrou a cerimônia e os fieis começaram a se retirar, Nielk não se moveu; era uma ótima oportunidade para examinar as pessoas que saiam. Talvez Walkyria estivesse ali. Tudo em vão! Não conseguiu divisar nenhum rosto conhecido. Ele sim, era notado como pessoa estranha no lugar. Essa foi a sua primeira decepção, o que o fez pensar que Deus não fizera soar a hora do reencontro. Continuaria procurando e que fosse o que Deus quisesse!
Saindo da igreja andou pela cidade tomando conhecimento da localização do cinema, de diversas escolas e do campo de futebol. Realizar-se-ia, à tarde, um jogo que era comentado por todos. Talvez lá . . . (não queria precipitar-se, antecipar) pensou; talvez lá viesse a encontrar o preto Gonçalo. Ele deveria ainda morar lá e se assim fosse seria bem possível que estivesse assistindo à partida de futebol.
Nielk almoçou ao meio-dia e como o sol estava muito intenso, resolveu deitar-se um pouco e descansar. Às 14,00 horas levantou-se e saiu do hotel, dirigindo-se para o campo de futebol. O movimento era intenso. A todo instante chegavam caminhões lotados que traziam, das fazendas, homens, mulheres e crianças. para assistirem à peleja.
O jogo começou e o entusiasmo era geral. Uma torcida louca a favor de time local que terminou por vencer o adversário por 3X2; o adversário também contava com um ótimo conjunto de craques.
Nielk, embora gostasse de assistir a uma partida de futebol, quase não prestava atenção aos lances. Distraia-se a percorrer o campo, na ânsia de deparar com um rosto conhecido, que lhe abrisse uma esperança. Nada, porém! Outra decepção somou-se à que havia sofrido pela manhã. Agora só restaria o cinema; ela deveria ir! Sendo domingo, imaginava que seria o melhor dia para encontrá-la. Tomou um lanche no hotel e saiu a passear pela praça, aguardando a hora do início da sessão cinematográfica. Antes do início já se postava à porta do cinema, ficando ali até as luzes começarem a apagar-se, quando resolveu entrar, imaginando que ela pudesse ter entrado sem ele perceber. Ao terminar o espetáculo, quando Nielk dirigia-se para o hotel, estava desalentado; uma angústia oprimia-lhe o peito e imaginava que nunca a encontraria.
N dia seguinte levantou-se cedo e foi ficar em frente ao colégio alimentando novas ilusões. De desilusão em desilusão viu passarem-se os dias percorrendo todos os recantos da cidade, sem conseguir lograr o seu objetivo. Depois de oito dias, quando esgotaram-se as suas esperanças, tomava o trem de volta para São Paulo. Terminava, assim, um triste capítulo de sua existência. Chegara ali com o coração cheio de esperança e se retirava mais amargurado do que nunca . . .
Dali por diante Nielk foi acometido de uma apatia por tudo. Nada o interessava! Gravou-se-lhe uma idéia fixa passando a, inconscientemente, procurar a quem dedicou todo o seu amor. Aquela lembrança alojou-se no seu subconsciente que o obrigava flertar com todas as moças que encontrava, na louca procura daquele amor que perdera na adolescência. Os seus flertes eram sem maiores conseqüências, uma vez que logo caia na realidade, percebendo não ter encontrado a pessoa querida. Um desses flertes foi de maiores conseqüências traindo o próprio consciente.
Nielk passava pela rua onde havia residido ao tempo de criança e chegando no meio do quarteirão, encontrou-se com uma moça em companhia de um menino, o que o impressionou profundamente. Ela sorriu-lhe ao passar e a sua imaginação volveu no tempo, e deu-lhe a nítida impressão de ter Walkyria à sua frente, com o Zetinho, seguro pela mão...O seus subconsciente ganhou na luta com o consciente e ele atirou-se à conquista.
- A Senhorita me permite uma pergunta?
- Pois não, respondeu-lhe ela.
- A pouco tive a impressão de conhecê-la e, embora haja constatado o contrário, sou obrigado a admitir que fiquei impressionado, me simpatizei muito com a Senhorita. Gostaria de saber . . . mora a muito tempo neste bairro?
- Não, respondeu a jovem, eu estou de passeio aqui. Estou em casa de meu irmão que reside a dois meses aqui e é gerente do Banco Continental, este é meu sobrinho. Eu resido em Bauru, com meus pais.
- Meu nome é Nielk Jowla Rimidalw, apresentou-se o rapaz, gostaria de ter o prazer de encontrá-la novamente.
- Confesso que o prazer seria mútuo. Meu nome é Jamile Rocha. Meu irmão chama-se Luiz Rocha e reside à Rua Anchieta, 2.348. Ele não é muito severo e se quiser aparecer lá?
- É certo que passarei. Amanhã, está bem? Eu passarei por volta das 20,00 horas.
Despediram-se e Nielk exultava de contentamento. O seu subconsciente atirava-o nos braços de Jamile fazendo-o confundi-la com Walkyria.
No dia seguinte o serviço no escritório transcorreu maravilhosamente. Fazia tempo que Nielk não produzia tanto! Entregava-se ao trabalho com a alegria imensa desejando que o tempo passasse rápido.
Às 20,00 horas estava em casa de Jamile que o apresentou ao seu irmão e à sua cunhada Carmem. Passou, desde então, a freqüentar a casa e a respirar aquele ar de felicidade. Joãozinho, sobrinho de Jamile afeiçoou-se de tal maneira a Nielk que não o deixava, a cada vez que ia a sua casa. Jamile que viera passar apenas quinze dias com o irmão, prolongou a sua estadia.
Um dia, porém, o inevitável teria de acontecer. Jamile era professora em sua cidade e as aulas brevemente iriam recomeçar. Nielk acompanhou-a à estação e quando dela se despediu, prometeu-lhe fazer uma visita na primeira oportunidade. Quando o trem se afastava e Jamile acenava-lhe com um lenço, Nielk sentiu reviver toda a sua antiga angústia, sendo necessária toda a sua fibra para que não rompesse em soluços. Sentiu no peito a mesma opressão que havia sentido quando, a anos atrás, sua priminha lhe falara: "Nielk, você sabe aquela família . . . a Walkyria . . . eles mudaram . Antes de completar um mês, da partida de Jamile, Nielk desembarcava em Bauru. A saudade que sentia não lhe permitiu maior demora. Jamile não se conteve de felicidade, quando, à noite, ele apresentou-se em sua casa. Apresentou-lhe seus pais, dois velhinhos simpáticos, que já conheciam Nielk através das referencias de Jamile e das informações de Luiz.
Diversas vezes Nielk viajou para Bauru, até que dezoito meses depois casava-se com Jamile.
Depois de uma rápida lua de mel na Cidade Maravilhosa, voltaram para instalarem-se em Bauru. Nielk pedira transferência para a filial da firma para a qual trabalhava, não querendo que sua esposa se afastasse de seus velhos pais. Ali viveram até l.960, ano em que faleceram os pais de Jamile. Nada mais os prendia ali e Nielk aceitou uma proposta para voltar a trabalhar em São Paulo.
Instalaram-se em Santo Amaro onde continuaram a trajetória feliz, em companhia dos filhos do casal: Jair e Célia. Nielk assumiu o cargo de diretor da "Ordene" - "Organização de Negócios", e Jamile, que adorava o magistério, passou a lecionar no Grupo Escolar Paulo Ribeiro.
Cícero Aguiar, diretor desse estabelecimento de ensino, sempre desenvolvera uma vida pacata. Muito estudioso, era tido como exemplo de perfeição no que dizia respeito ao ensino. Contava nessa época, trinta e cinco anos e se não era rico tinha o suficiente para não necessitar se preocupar com o futuro. A par de sua capacidade intelectual, Cícero, possuía um elevado padrão moral. Tudo, para ele, deveria ser filtrado pelo bom senso. Isso o levou aos trinta e cinco anos sem contrair matrimônio, embora já tivesse noivado algumas vezes.
Ao conhecer Jamile, Cícero ficou profundamente impressionado com a sua beleza e foi, mesmo, acometido de intensa paixão. Estava ciente que não poderia fraquejar para que não viesse a macular um lar. Em que pesasse tudo isso, não resistiu fazer represar-se aquele sentimento de solidão que a tanto tempo estava reprimindo em seu peito. Sempre respeitara as convenções sociais, mas agora que encontrava a eleita do seu coração, esses valores já não lhe pareciam tão importantes. Poria de lado essas tolices e lutaria pelo seu amor, transpondo os obstáculos e só desistiria se encontrasse resistência por parte de Jamile. E se tal ocorresse poria fim aos seus dias.
Ao mesmo tempo em que Cícero debatia-se numa verdadeira revolução de princípios, outro drama se passava na alma de Nielk. Durante muitos anos transferira para o subconsciente, a imagem de Walkyria e ao voltar a viver em Santo Amaro, essa imagem revivia em sua mente e renascia em seu coração o amor que a tanto tempo encontrava-se recalcado. Ao passar pelo local onde a havia conhecido, revivia toda a sua angústia, sentindo ter gasto a sua vida na inconsciente procura da amada. Já não sentia amor por Jamile e percebia que o casamento, para ele, fora uma fuga. Ao casar-se com Jamile havia sido traído pelo seu subconsciente que havia projetado, nela, a imagem de Walkyria. Que farsa covarde lhe havia pregado o destino!
Os dias passavam-se e cada vez mais se acentuava o deprimente estado de alma de Nielk. Precisaria tomar uma atitude que o libertasse dessa angústia, sem magoar o coração sensível de Jamile, a quem estimava muito, não sendo capaz de causar-lhe um desgosto.
Um dia em que esperava a esposa, na secretaria da escola, ocorreu-lhe uma idéia, que não imaginara antes. Walkyria fora aluna do curso primário daquele estabelecimento e, se conseguisse saber mais alguma informação, algum detalhe sobre ela, isso facilitaria encontrá-la. Imediatamente tratou de aproveitar a sua idéia.
- Sr. Rafael - dirigiu-se ao secretário - tenho interesse de adquirir alguns detalhes sobre uma família minha conhecida e o Sr. poderá me ajudar.
- Pois não, Sr. Nielk, no que puder ajudar estarei às ordens.
- Trata-se de uma família que foi minha vizinha no tempo de criança. Mudaram-se a muitos anos e nunca mais tive noticias. Eram pessoas a quem dedicava muita amizade, razão porque teria muito prazer em encontrá-los. A única indicação que tenho é que uma das filhas esteve matriculada neste Grupo em 1.943, mais ou menos. Ela chamava-se Walkyria, o pai Alécio e a mãe Angela. Residiam à Rua Voluntário Delmiro Sampaio.
- Não deve ser difícil, disse o secretário, não devem haver muitas pessoas com esse nome.
Dirigiu-se a uma estante e apanhou alguns livros de matrícula aos quais passou a folhear. Nielk aguardava o resultado daquela pesquisa com o coração a pular-lhe no peito. Se houvesse tido essa idéia a vinte anos atrás, na certeza teria encontrado a sua amada , na primeira vez que fora a Itapeva!
Se não tivera essa inspiração, com certeza não havia chegado a hora.
- Aqui está, disse o secretário, sim, deve ser este!
Nielk, que acompanhava, viu o dedo do secretário percorrer a linha onde se lia: Walkyria da Silva Coutinho, nascida no Acre, no dia 14 de agosto de l.932; filha de Alécio Coutinho e Ângela da Silva Coutinho. Residente à Rua Delmiro Sampaio, 473.
- É esse mesmo, disse Nielk.
O secretário tomou um pedaço de papel, anotou os dados e entregou o papel a Nielk. Este guardou-o no bolso, agradeceu ao funcionário. Nesse instante tocava a campainha que encerrava o período e ele retirou-se para encontrar-se com a esposa. Estava exultante de contentamento por possuir, agora, dados concretos, que possibilitariam encontrar Walkyria. Jamile notou o seu ar de felicidade.
- O que aconteceu, viu algum passarinho verde? falou sorrindo
- Não, porque?
- Você está com uma fisionomia feliz! Tem andado esquisito ultimamente!
- É que realizei uns bons negócios para a firma, mentiu Nielk, e isso me faz satisfeito. Hoje iremos fazer um programa diferente, iremos jantar fora e , talvez, dançar, para comemorarmos.
À Jamile, também, estava acontecendo algo surpreendente. Um sentimento que a vinha torturando desde o dia em que conhecera Cícero. Não queria admitir, mas era certo que estava apaixonada por aquele homem que lhe causara tão forte impressão. Jamile vivera no interior, apegada aos seus pais, a quem amava muito, nunca pensando em casamento, nem namorados tivera, até o momento em que conheceu Nielk; fora ele o seu primeiro namorado e depois de pouco mais de um ano estava casada. Fora relativamente feliz, desde então, dividindo a sua atenção entre o marido, os filhos e seus velhos pais, em uma vida tranqüila, não tendo tempo de raciocinar sobre os seus verdadeiros sentimentos. Ao conhecer Cícero, que lhe causou tão forte impressão, começou a pensar se acertara ao casar-se com Nielk; na verdade não o amava, sentindo unicamente um grande afeto e respeito por ele. O seu coração, só agora despertava para o verdadeiro amor. Agora era tarde demais!
Nielk, por sua vez, dispunha-se a viajar para Itapeva. Antes de fazê-lo, procurou informar-se no Departamento de Policia e no Departamento do Trabalho, para certificar-se de que Walkyria não havia sido identificada em São Paulo, pois era bem provável que houvesse voltado para a Capital. Sendo negativa a sua pesquisa, o mais certo seria que ela continuasse a residir no interior.
No dia 12 de Novembro de 1.962, Nielk falou à esposa sobre a "necessidade" de viajar "a negocio".
- Jamile, tenho necessidade de viajar para fechar um negocio fora de São Paulo e pretendia aproveitar o fim de semana prolongado para viajar. O dia 15 é feriado e cai na 5ªfeira; eu, iniciando as conversações nesse dia poderei concluir na 6ªfeira logo voltando para São Paulo. Assim não terei de me afastar do escritório por muitos dias.
- Você esqueceu-se que justamente nesse fim de semana terei de viajar para participar do Primeiro Congresso do Ensino, que realizar-se-á no Rio de Janeiro?
- De fato havia me esquecido! Mas eu poderei levar as crianças para a casa de mamãe, em Santos. Assim nós viajaremos ao mesmo tempo, sem a necessidade de duas separações!
Jamile baixou a cabeça, escondendo a emoção que essas palavras lhe causavam. A verdade é que Nielk também sentia um constrangimento!
Eram quase 5 horas da manhã, do dia 15 de Novembro, quando o ônibus entrava na cidade de Itapeva. Saíra de São Paulo às vinte e uma horas do dia anterior, viajando a noite toda. Em seu interior viajava Nielk. Em seu coração alimentava as mesmas esperanças da sua primeira estada ali. Agora mais ainda! Possuía o nome completo de Walkyria e o de seus pais. Não sabia, ainda, como chegaria a falar com ela. Nem queria pensar nisso! Quando chegasse o momento tudo se resolveria por si mesmo. Só um cuidado deveria ter, não comprometer o nome de sua amada. Resolveu que perguntaria pelos seus pais em primeiro lugar. Assim, se por acaso ela estivesse casada, poderia contornar a situação.
Desceu do ônibus na esquina do Hotel Itália. O sol principiava a se elevar no horizonte, anunciando um dia maravilhoso. Um arrepio percorreu o corpo de Nielk, quando, ao descer do ônibus, foi atingido pelo frio da madrugada. A cidade toda dormia, ouvia-se apenas o cantar dos galos. Deu alguns passos e viu-se na porta do hotel que encontrava-se fechada. Tocou a campainha e esperou por alguns minutos. Não obtendo resposta, tocou novamente; mais alguns minutos de espera e ouviu um arrastar de chinelas, seguidos por ruído de tramela, e a porta abriu-se. Deparou com uma negrinha, baixa, magra, de uns trinta anos, que sorriu para ele.
- Bom dia. O Sr. chegou no ônibus? desculpe por ter demorado a abrir a porta. Estava preparando o café.
- Não tem importância, a demora não foi muita.
- Queira entrar, disse a empregada do hotel, afastando-se para deixar o caminho livre.
Nielk adiantou-se, atravessou, em poucos passos, o corredor e entrou na sala, tendo a negrinha no seu calcanhar.
- Meu nome é Nielk. Já estive hospedado neste hotel há alguns anos atrás. Desejo um quarto para ficar alguns dias. Não sei quantos, exatamente.
A moça apanhou uma chave do quadro e se adiantou para o lado do corredor, abrindo a primeira porta à esquerda. Era o quarto nº14. O mesmo que ocupara da outra vez! Um mau pressentimento tomou conta da mente de Nielk. De sua outra estada ali, entrara naquele quarto, com o coração cheio de esperança e quando saiu, depois de uma semana, estava vencido pela desilusão. Ficou com vontade de pedir outro quarto, mas a sua superstição não tinha cabimento. Balançou a cabeça, como para afugentar os maus presságios e entrou.
Dentro do quarto abriu a valise e separou um traje esportivo e rumou para o banheiro. Em alguns instantes, já pronto, foi para a sala tomar café.
Eram 7 horas quando Nielk deixou o hotel. Em alguns passos alcançava a Praça Anchieta. Quase o mesmo aspecto de aproximadamente 20 anos! Estavam reformando a praça, estando toda cercada com arame farpado. Ao lado da igreja havia uma construção nova. único marco de progresso em uma cidade que parecia ter parado no tempo. Nielk leu na fachada do prédio: CLUBE DE LEITURA ITAPEVENSE. A existência de um clube de leitura demonstrava a preocupação com que era dotada a população da cidade, preocupando-se com a cultura. E um povo que antes de mais nada preocupa-se com a cultura, está construindo um trampolim para o progresso e era digno de todo o respeito e admiração. Sentiu uma profunda afeição por aquele povo. Sentia-se, naquele momento, como se houvesse nascido naquela cidade; como se fizesse parte daquela terra. Terra tão querida e que estava tão solidamente ligada ao seu destino. Pois não era ali que vivia a tantos anos aquela que era a eleita do seu coração?
Nielk, abandonando as conjecturas, entrou na igreja. A situação era bem diferente da ultima vez que ali estivera. Haviam poucas pessoas (umas senhoras de idade avançada) assistindo à missa. Ele ajoelhou-se e proferiu uma oração:
"Pai! Talvez não seja lícito o que estou fazendo. Não sou livre e não tenho o direito de esquecer os sagrados compromissos e vir a procura de acontecimentos que poderão colocar em risco a segurança da família. Porém, o que sinto é superior às minhas forças. Esta angústia que me dilacera a alma precisa ser aplacada e isso só acontecerá no dia em que reencontrar Walkyria. Para bem ou para mal, não tenho forças para lutar contra essa obsessão. Creio, Oh! Pai, na tua infinita graça para que tudo se resolva sem o perigo de se abrirem feridas profundas naqueles que me são caros. Confio em Ti Oh! Pai! e me conformarei com a resolução da Tua infinita sabedoria!"
Nielk levantou-se profundamente comovido. Com lagrimas nos olhos, retirou-se da igreja. Estava desorientado. Sendo feriado e as escolas estando fechadas, não tinha noção de como procurar, conseguir alguma informação. Ao conseguir, no Grupo Escolar Paulo Ribeiro, as informações, que agora possuía, a sua primeira idéia fora procurar, também, obter informações nas escolas de Itapeva. Sem dúvida nenhuma, quando para ali mudou-se, a menina deveria ter sido matriculada em alguma escola para continuar os estudos interrompidos pela mudança. De posse do primeiro endereço dela, na cidade, poderia conseguir localizá-la, mesmo que houvesse mudado. Sendo feriado e as escolas estando fechadas, não poderia obter a informação desejada. Só lhe restava, portanto, andar pela cidade e contar com a sorte para encontrar-se com Walkyria, ou com seus pais, que apesar de terem se passado muitos anos, naturalmente seriam reconhecidos.
Parecia que o destino conspirava contra Nielk e fazia repetir-se os mesmos acontecimentos que haviam transcorridos no primeiro dia de sua estada ali, quase vinte anos antes. Passou o dia assistindo a um jogo de futebol, andando pela cidade (passeou até pelo cemitério) terminando o dia assistindo a um filme brasileiro que era exibido no cinema local.
No dia seguinte, sexta-feira, levantou-se cedo, tomou café e saiu. Seria o dia decisivo! Passou pela agência de passagens e reservou uma no ônibus das 23,00 horas. Se houvesse necessidade cancelaria, mas tinha a certeza de que o que não fosse resolvido nesse dia não o seria nos restante da semana, e talvez nunca mais.
De informação em informação, chegou ao magnifico prédio do Instituto Barão de Itapeva. Um maravilhoso prédio de linhas arquitetônicas majestosamente delineadas. O Instituto possuía, desde o Jardim da Infância até os cursos Normal, Clássico e Cientifico. Evidenciava-se, mais uma vez o nível intelectual do povo itapevense.
Apresentou-se no balcão sendo atendido por uma funcionária.
- Senhorita, fui informado que os arquivos de outras escolas foram transferidos para cá. Necessito obter uma informação referente a uma pessoa que mudou-se para esta cidade a 20 anos atrás. Essa pessoa tinha uma filha que deve ter sido matriculada, naquela ocasião, em uma escola local. Gostaria de descobrir o endereço que possuía a fim de tentar localizá-los.
- Creio podermos fornecer-lhe a informação, porém neste momento não é possível. O funcionário responsável pelo arquivo só virá à tarde. Se o Sr. puder voltar depois das 14,00 horas, na certa terá a informação desejada.
- Pois não, voltarei a essa hora.
Nielk deixou o local contrafeito. Não contava com isso! Essa informação era a base para as suas investigações! A espera o enervava. Passou pela redação da "Folha do Sul" e comprou um exemplar da semana; pediu, também, que lhe arranjassem os exemplares do mês de agosto e percorreu a coluna de aniversários para ver se encontrava o nome de Walkyria. Nada! Dirigiu-se à Companhia Telefônica e solicitou a lista de assinantes local. Talvez encontrasse o nome do Sr. Alécio Coutinho. Mais uma decepção! Lembrou-se do correio. Sim! Eles deveriam receber correspondência! Lá, com certeza, poderia conseguir alguma informação. Indagou sobre a localização da agência e dirigiu-se para lá. Acercou-se do guichê e pediu a informação. O funcionário repetiu o nome várias vezes, puxando pela memória.
- Família Coutinho . . .não, não conheço - e virando-se para trás -Luiza, você conhece a família Coutinho?
Luiza, uma moça de uns trinta anos, mais ou menos, fisionomia simpática, que prestava atenção à conversa, adiantou-se para ver quem estava procurando a informação. Dirigiu um sorriso, ao desconhecido para si e perguntou:
- Alécio Coutinho? Possuía um casal de filhos?
- Sim, é isso mesmo.
- Mas eles não moram mais aqui! O filho dele casou-se com uma moça daqui. Não me lembro mais de que família. A filha . . .como é mesmo que chamava?
- Walkyria, emendou Nielk.
- Isso mesmo. Eles mudaram-se daqui, fazem uns três anos. Foram para São Paulo. A Walkyria, me parece, trabalha nas lojas Matos, ou na Serve Bem - e dirigindo-se ao seu colega - o Sr. Alécio trabalhava na caldearia do Sr. Dela Rue. Talvez ele possa fornecer alguma informação - voltando-se para Nielk - o Sr. Dela Rue passa tempos aqui e tempos em São Paulo. Quando está aqui fica em uma pensão na Rua D. Luiz, bem em frente ao mercado em construção.
Nielk agradeceu efusivamente. Estava eufórico!
' - Muito obrigado, essas informações foram valiosas para mim.
Já sabia onde ficava o mercado. Em suas andanças passara por lá. Tratava-se de uma construção paralisada, onde muitas famílias pobres aproveitavam como residência. Encontrou a pensão indicada e pediu a informação:
- Gostaria de falar com o Sr. Dela Rue.
- Ele não reside aqui. Reside em São Paulo. Dificilmente está vindo para cá.
O Sr. sabe o endereço dele em São Paulo?
- Também não sei informar, não senhor, trata-se de um homem um tanto esquisito. Não tem família, vive sozinho e não dá satisfação a ninguém.
Nielk agradeceu ao homem e voltou para o hotel. Agora nada o prendia mais ali. Era só esperar a hora de embarcar para São Paulo. O relógio marcava doze horas, faltavam onze horas para o embarque. Não voltaria ao Instituto Barão de Itapeva uma vez que de nada adiantaria a informação que pudesse obter ali. Almoçou e deitou-se para ver se as horas passavam mais rapidamente.
Voltemos ao dia 14 de Novembro para nos encontrarmos com Jamile. Nesse dia, às 9,00 horas da manhã ela dirigiu-se ao Grupo Escolar Paulo Ribeiro. Exatamente às 9,30 horas penetrava no gabinete de Cícero. Este ao vê-la, levantou-se indo ao seu encontro , segurando-a pelas mãos levou-a a sentar-se em um sofá acomodando-se ao seu lado. Jamile, profundamente comovida disse-lhe:
- Não sei se o que vamos fazer está direito! Corremos ao encontro da felicidade e poderemos cavar a nossa própria desgraça.
- Não se preocupe, Jamile, tudo vai dar certo, confie em mim. nós nos amamos e temos o direito à felicidade. Nielk terá de compreender. Você escreveu-lhe a carta?
- Sim, escrevi. Ele viajou para Santos para deixar as crianças na casa da mãe dele. Só voltará à tarde e irá diretamente para Itapeva, sem voltar para casa. Só encontrará a carta na sua volta da viajem . . .Entre nós terá que transcorrer tudo como combinamos!
- Está certo, Jamile!
O que estaria para acontecer? O destino brincava com os sentimentos dessa gente, enredando-os em um torvelinho de ilusões!
Às 18,00 horas desse dia, Jamile e Cícero partiam para o Rio de Janeiro, juntamente com outros professores, para participarem do 1º Congresso do Ensino.

. Enquanto o destino implacável tece a sua teia, façamos um suspense para voltarmos para onde deixamos Nielk.
Às 19,00 do dia 16, depois do jantar, liquidou a conta do hotel e despediu-se. Passou pela agência de ônibus deixando ali a sua valise e em seguida dirigiu-se para o cinema. Precisava preencher aquelas horas que faltavam para o embarque.
Às 23,00 horas, meia hora depois de ter chegado à agência, era informado, juntamente com os demais passageiros, que haveria um atraso no embarque. Havia caído uma ponte na estrada Itararé Itapeva e o ônibus teria de dar uma enorme volta. A espera foi angustiante! O ônibus só chegou às 4,00 horas da manhã. Dai por diante tudo correu normalmente e às 12,00 horas do dia 17, desembarcava na estação rodoviária de São Paulo. Não foi para casa; dirigiu-se para o escritório na Rua 23 de Maio, Jamile não estava em casa, seus filhos estavam em Santos, em casa de sua mãe, não adiantava ir para casa para ficar sozinho Almoçou e jantou no Restaurante do Titio e foi a um cinema à tarde e em outro à noite. Era quase meia-noite quando chegou em casa. Como era triste uma casa vazia! Nunca gostara de ficar sozinho; a solidão mexia-lhe com os nervos! Colocou um disco na vitrola e preparou uma bebida. Quase não bebia, mas nesse momento o copo seria uma boa companhia para a sua solidão! A sua situação tanto econômica como financeira eram ótimas, parecia-lhe nada faltar! Porém nunca conseguira retirar do peito aquela angústia plantada no dia da partida de Walkyria. Sentia que não evoluíra emocionalmente. Que aquele episódio de seus 14 anos prejudicara o seu desenvolvimento. Psiquicamente ainda era um menino de 14 anos, comprazendo-se em conservar aquela dor espiritual.
Era uma hora da manhã quando se dispôs a ir dormir. Quando deitou-se lembrou que esquecera de apagar a luz. Acendeu a luz do abajur de cabeceira, levantou-se e apagou a lâmpada do teto. Percebeu, nesse instante, haver um envelope sobre a camiseira. Apanhou-o e deitou-se. No envelope estava o seu nome; a letra era de Jamile, conhecia bem! Não abriu imediatamente, preocupado que estava com suas conjecturas:
"Felicidade é um estado de alma que nunca conseguimos alcançar; é um estágio que jamais a alma humana conseguirá vislumbrar. É uma miragem! Quando estamos prestes a alcançá-la se desfaz diluindo-se no espaço. Logo depois surge novamente para desaparecer tão logo desejamos alcançá-la. Como os ruídos que às vezes parece-nos ouvir e as imagens que nos parecem reais, são a exaltação dos sentidos, a felicidade seria a exaltação dos sentimentos! O homem debate-se durante a sua existência na procura vã de um ideal elevado. A vida, porém, é algo vazio e sem expressão. A custa de muito sacrifício é que o homem resiste ao pesado fardo da existência. Isso unicamente porque pressente que a vida terrestre é uma conveniência para a evolução espiritual. Acreditava na imortalidade da alma, assim como na reencarnação. Tinha ciência da verdade existente na lei de "Ação e Reação", segundo a qual, tudo aquilo que nos é impingido, é uma reação direta do nosso procedimento anterior. E não só desta vida, ou deste estágio e sim de toda a vida evolutiva do espírito. Todo o acontecimento mau que nos acorre é a contrapartida de nossas ações más. Da presente existência ou das anteriores. A nossa existência, através das diversas fases de evolução é uma verdadeira contabilidade por partidas dobradas. Não é possível existir uma conta devedora sem a correspondente credora."
Durante muito tempo Nielk divagou, até que caiu em si e viu-se com a carta na mão. Abriu-a e começou a ler:

São Paulo, 14 de Novembro de 1.962

Caro Nielk

Depois de tentar em vão fazer calar o meu coração. Depois de tentar fazer prevalecer a razão ao coração, vejo-me completamente desamparada; não sinto mais forças para resistir e entrego-me à evidência dos acontecimentos. Acontecimentos que se desencadeiam como um castigo de Deus e nos ferem. E conosco outras pessoas a quem eu deveria, e desejo mesmo, evitar qualquer mágoa.
A você, também, não desejaria causar o mal que sei que vou causar! Muito devo a você. A dedicação que você sempre endereçou a mim e que foi extensiva aos meus pais, que tanto amei em suas vidas e a quem venero depois da morte. A longa dedicação ao lar, aos filhos; tudo isso torna mais difícil, para mim, curvar-me à evidência. Sinto-me como um ser desprezível; um ser diabólico que causa mal a quem dele se acerca. E, verdadeiramente, devo estar possuída por um espírito maligno, para não ouvir a voz da razão e seguir as veredas inconscientes da paixão.
Nielk, estou amando outro homem! Lutei, enquanto pude, para não me entregar a um amor impossível (e ainda não me entreguei). Sentindo, porém, que falta-me forças para resistir, o melhor caminho que me resta é pedir a sua compreensão para que conceda-me o desquite e assim eu possa almejar a uma felicidade relativa. O homem a quem amo é solteiro e me ama também. Ele dispõe-se a casar-se comigo através de um consulado estrangeiro.
Ao confessar-lhe esta loucura quero dizer-lhe uma coisa: Nunca o enganei! Juro pela memória de meus pais que a esposa que você teve até a pouco, sempre lhe foi fiel. Somente depois de consumado o desquite; quando estiver casada com quem me quer como esposa, é que me entregarei a esse amor. É preferível que as coisas transcorram assim, porque, se por acaso me acontecesse de macular o seu nome eu não me perdoaria nunca. Isso me levaria a por fim à existência.
Não voltarei para casa. Depois de terminado o congresso, no qual vou participar, irei para a casa de meu irmão, em Recife, onde aguardarei a resposta ao meu desejo. Perceba, que vou para a casa de meu irmão e, só depois de acertada a nossa situação é que tomarei o rumo que o destino me traçou.
Não exijo nada. Nem teria cabimento. Fica tudo ao seu critério, inclusive o que dizer às crianças. Conheço-o bem e tenho a certeza de que suas providencias serão ditadas pela razão.

De sua esposa

Jamile

Nielk estava petrificado. Leu e releu aquela carta sem poder admitir a realidade dos fatos. Não era possível! Estava sonhando! Aquilo tirava-lhe o poder de raciocínio! Levantou-se da cama e passou a andar de um lado para outro, pelo quarto. Precisava coordenar os pensamentos! Sentia-se impotente para encontrar uma saída dessa armadilha que o destino lhe havia preparado.
Engraçado ele estar pensando, havia pouco, em lei de ação e reação! Seriam, esses acontecimentos, as reações às suas ações? Mas ele não consumara ação nenhuma para ser revidado dessa forma! Pareceu-lhe ouvir uma voz: "Da existência presente ou das anteriores." Seria possível? Teria em existências passadas, provocado acontecimentos que lhe teriam sido debitados?
Assim continuou divagando o resto da noite. Estava completamente aniquilado. O seu aspecto exteriorizava o que lhe ia na alma. Precisava, porém, confiar em Deus. Só a Ele caberia escrever a última página dessa história que mais parecia uma novela de rádio-teatro.
Dirigiu-se ao banheiro e assustou-se com o que viu no espelho. Mais parecia um cadáver!
"Preciso, pelo menos, cortar a barba, caso contrário irei assustar as pessoas."
Voltou ao quarto, apanhou um rádio de pilha, ligou-o sintonizando a Rádio Hora Certa e voltou para o banheiro, ouvindo a música. No primeiro intervalo o locutor deu a hora certa: Seis horas e um minuto. A música continuou. Nova interrupção e o locutor voltou a falar: - Atenção , senhores ouvintes, para uma noticia de última hora que chega, procedente de Recife . . .
Nielk aguçou o ouvido. Não que lhe interessasse, porém, a pouco havia lido "Recife" na carta de Jamile; isso deve ter-lhe chamado atenção. O locutor continuou:
- O avião de prefixo XZ956, da Interoceanica, que transportava passageiros do Rio de Janeiro para Recife, foi de encontro ao solo nas proximidades do aeroporto de Recife. E, atenção, senhores ouvintes, para mais um telegrama recebido neste instante. Recife - Urgente: Segundo informações das autoridades locais, não há sobrevivente do avião de prefixo XZ956 que foi ao solo nas proximidades do aeroporto do Recife. É lamentável, senhores ouvintes, continuou o locutor, que tantos desastres tenham ocorrido nestes últimos dias, ceifando vidas preciosas. É necessário que as autoridades abram uma severa sindicância .Urge apurar as causas dos mesmos. Será imperícia dos pilotos, ou deficiência da manutenção? Caberá aos responsáveis nos responderem. Tão logo nos cheguem novas informações transmitiremos para conhecimento de nossos ouvintes. Mantenha os seus receptores ligados na Radio Hora Certa, e acompanhem o que vai pelo Brasil e pelo mundo; Em São Paulo são exatamente seis horas e vinte minutos.
A música continuou. Nielk já havia se cortado em vários lugares, tal era o seu nervosismo. Terminando de cortar a barba começou . . .
Novamente foi interrompida a música e o locutor voltou a falar: Atenção, senhores ouvintes, para a lista de passageiros do avião prefixo xz956 da Interoceanica que foi ao solo próximo ao aeroporto do Recife. Antes vamos repetir os telegramas anteriores. Passou a repetir as noticias que Nielk já havia ouvido antes. Este parou para aguardar o último telegrama, e ele veio . . .são os seguintes os passageiros que perderam a vida : Andrs Klark, Juan Fabricio Alvarez, Antônio de Alburquerque, Jamile Rocha Rimidalw. . .
Tudo apagou-se, Nielk ouvia, ainda, os nomes continuarem a ser divulgados. . . Aos poucos foi diminuindo de intensidade e à medida que aquela voz ia distanciando-se ele mergulhava na inconsciência.
Quando voltou a si estava na cama. Ao seu lado estava o Dr. Prado. Tentou levantar-se sendo impedido pelo médico, Aos poucos foi tomando consciência da realidade. Parecia-lhes um sonho! Antes, um pesadelo! Tinha a impressão, ser, a sua vida, uma onda de vapor que evolava-se para desaparecer. Com muito custo conseguiu falar.
- Dr. Prado, então tudo é verdade, eu não estava sonhando?
Um soluço escapou do seu peito e grossas lágrimas escorreram pelo seu rosto, ao perceber o olhar significativo do médico.
Não é possível, que catástrofe!
Sua mãe abraçou-o comovida.
- Meu filho, eu sei bem a dor que invade o seu coração, porém, é preciso confiar em Deus, e ser forte, você não pode entregar-se ao desanimo. Pense nos seus filhos!
Só então Nielk lembrou-se da carta e apalpou o bolso do pijama. Ela estava ali. Ninguém jamais saberia de sua existência. E virando-se para a mãe.
- A senhora aqui???
- Sim, meu filho, soubemos da noticia e viemos imediatamente. As crianças também vieram, é claro. Foi o Jair quem ouviu a notícia pelo rádio; ele havia levantado-se cedo para ir à praia. Viemos imediatamente. Quando chegamos o Dr. Prado já estava aqui. A empregada encontrou você no banheiro, desacordado.. Ela chamou o Sr. Medeiros, ai vizinho, que foi quem chamou o Dr. Prado.
- Eu me lembro, agora, havia terminado de cortar a barba e me preparava para entrar no banho. Foi quando o rádio deu a noticia do desastre e em seguida passou a divulgar os nomes dos passageiros e tripulantes. Esperei para ouvir . . .e ouvi o nome de Jamile . . . oh! foi horrível! Eu já estava esgotado pela viajem que havia feito, não suportei.
- Nielk - disse sua mãe - eu não sabia que Jamile ia para o Recife!
- Ia, mamãe, - mentiu Nielk - eu esqueci de lhe falar quando levei as crianças. Ela ia visitar o irmão. Que viajem fatal!
- Temos de entregar tudo nas mãos de Deus, meu filho.


. . .preciso fazer alguma coisa!
- Não se preocupe ,Nielk, - falou o Dr. Prado, impedindo-o de levantar-se - O Sr. Medeiros já telefonou para a companhia aérea e eles providenciarão tudo, você deve repousar, não há nada que possa fazer.
Nesse instante abriu-se a porta do quarto e entraram Jair e Célia e abraçaram-se ao pai que foi-lhes ao encontro . . .
- Papai . . .
Nem mais uma palavra conseguiram proferir. Apenas soluçavam, enquanto as lágrimas banhavam os seus rostos, misturando-se.
- A mamãe já não está entre nós . . .Deus a levou, meus filhos!
Permaneceram assim, abraçados, por longo tempo, enquanto à sua volta, os demais, com os corações confrangidos, permaneciam em completo silêncio; emocionados assistiam àquele drama e dele participavam, possuídos por uma angústia indescritível . . .
Somente dois dias depois é que chegava o esquife para a realização dos funerais. Uma urna lacrada impedia que os familiares de Jamile a contemplassem pela derradeira vez; o seu corpo ficara irreconhecível..
Terminava, assim, a sua louca corrida em busca da felicidade!
Nielk, depois disso, passou por um longo período de perturbação. Um complexo de culpa o assaltara. Tendo perseguido, por toda a vida, a imagem de Walkyria, achava-se culpado pela morte de Jamile. Não fora a realização de sua viajem e talvez os acontecimentos não tivessem se precipitado para alcançarem aquele desenlace!
Aos poucos, porém, foi se conformando e chegou à conclusão que o drama que o havia atingido fora obra do destino e não poderia culpar-se pelo restante de seus dias. Se ele amava outra enquanto ainda estava casado com Jamile não era sua culpa. Esse amor existia muito tempo antes de conhecer Jamile. O seu casamento com Jamile, sim, fora uma traição aos seus ideais da adolescência. Raciocinando dessa maneira Nielk foi, aos poucos, subtraindo-se à apatia que o dominava e começou a viver novamente. Tinha seus filhos que o adoravam, por eles tudo faria dali por diante. E . . .também por si. Era jovem ainda e bem poderia reconstruir a felicidade interrompida.
Todos os traumas sofridos em sua existência, aos poucos foram se apagando. Não ocorria o mesmo, porém, com aquele episódio de seus 14 anos. Cada vez mais intensamente, acalentava a esperança de ainda reencontrar Walkyria. Isso era uma idéia fixa. Sabia que ela, agora, vivia em São Paulo, mas como encontrá-la? A Capital, com uma população descomunal, com uma extensão territorial enorme, impedia qualquer encontro. Mesmo que ela vivesse em Santo Amaro não poderia alimentar maiores ilusões. O destino, caprichoso, pode, às vezes, manter durante toda a vida, uma névoa que impeça dois vizinhos de se encontrarem,
Nielk, agora reconciliado com a vida, dividia-se entre o trabalho e os filhos. Trabalhava a semana, tenazmente, e nos fins de semana e feriados descia para Santos, onde os filhos estavam vivendo, com sua mãe e seu irmão. Passava dias maravilhosos ao lado dos filhos. Iam à praia, davam longos passeios, freqüentavam cinemas. Quando voltava para São Paulo sentia-se renovado e disposto para o trabalho. Dificilmente faltava a esses encontros agradáveis.
As poucas vezes que deixava de ir a Santos ficava em casa, em Santo Amaro. Ia até Interlagos ou saia para dar longos passeios, a pé, pelas ruas do bairro. Em um desses passeios, saindo de sua casa que ficava na Rua 9 de Julho, entrou na Rua São Benedito. Era Quinta Feira e ali estava sendo realizada uma feira. Foi andando, devagar, vendo as bancas e os transeuntes, que faziam compras. Em dado momento algo lhe chamou a atenção. Um rapaz de uns vinte e poucos anos fazia compras juntamente com uma moça de sua idade, que parecia ser sua esposa. Uma menina, de uns quinze anos, os alcançou e disse:
- Zetinho, a sua mãe está esperando lá no início da rua.
- Como vai ,Nina, falou o rapaz, você diga a minha mãe que à tarde eu irei em sua casa. Não precisa me esperar, agora.
- Está certo, respondeu a menina. Cumprimentou a outra moça e foi embora.
Nielk, atraído por aquele nome, examinou o rapaz. Era um jovem não muito alto, magro, cabelos aloirados e usava óculos. Bem poderia ser o irmão de Walkyria que conhecera com três anos de idade, mais ou menos. Se fosse, a senhora que haviam feito referência deveria ser Da. Ângela e ele, com toda a certeza a reconheceria. Talvez fosse mais fácil perguntar ao rapaz . . .mas tudo passou em sua mente em uma fração de segundo e quando percebeu estava seguindo a menina. Quando chegaram nas proximidades da Rua Isabel Schimidth lá estava a senhora esperando, e era, realmente, Da. Ângela. Mais envelhecida apenas. Nielk acercou-se dela.
Senhora, queira me desculpar, eu gostaria de falar-lhe - A senhora olhou-o desconfiada - Nielk continuou:
- A senhora naturalmente não se lembra de mim, porém eu a conheço. Fomos vizinhos a muitos anos atrás. A Senhora chama-se Da. Ângela e o seu esposo Sr. Alécio. A Senhora tinha um casal de filhos, Walkyria e Zetinho. Eu morava em frente de sua casa na Rua Vol. Delmiro Sampaio.
- Realmente - confirmou Da. Ângela - porém, não me lembro de você. Evidentemente era um menino a esse tempo.
- Sim, e quando passava em frente de sua casa e olhava para ver a Walkyria a Senhora balançava-me o braço ameaçando de bater.
- Sim! Agora me lembro, mas quem diria! Você mudou bastante. Também, fazem tantos anos!
- Sim, mais de vinte anos - confirmou Nielk.
- O mundo é pequeno - continuou Da. Ângela - nós fomos para o interior e vivemos muitos anos lá e acabamos voltando para São Paulo. E agora o encontramos!
- A pouco vi um rapaz que deve ser o Zetinho. Estava conversando com essa menina. Eu a segui até aqui para confirmar se ela viria encontrar-se com a Senhora.
- Era ele mesmo - confirmou a menina - eu o encontrei a pouco.
-E. . . a . . .Walkyria - Quis saber Nielk.
- Está bem, saiu comigo depois separou-se para ir à igreja.
- Ela . . .Está casada? - perguntou Nielk, com medo da resposta.
- Não, ela nunca quis saber de namorar. Não sei como não resolveu entrar para um convento!
- Gostaria de encontrá-la. A Senhora disse que ela foi à igreja, será que eu a reconheceria?
- Com toda a certeza, ela não mudou muito a fisionomia.
- Tive muito prazer em encontrá-la, espero que a oportunidade se repita.
- Nós estamos residindo à Rua Paschoal Moreira, 2.637; esperamos lá a sua visita.
- Eu irei, com toda a certeza!
Nielk estava eufórico. Apressou o passo quando chegou à Av. Adolfo Pinheiro e em poucos minutos entrava na igreja.
O relógio da torre marcava onze horas e trinta minutos. Já havia terminado a missa e a igreja encontrava-se quase vazia; ao todo umas seis pessoas encontravam-se ali. Nielk ajoelhou-se no último banco e baixando a cabeça, compenetrado, murmurou uma oração. O seu coração batia desordenadamente. Durante toda a sua vida ansiara pelo que estava prestes a acontecer e, no entanto, agora, sentia medo. Um medo terrível de ver desmoronado o castelo construído pelas suas ilusões.
"Será que a Walkyria acalentava, em seu coração, os mesmos sentimentos que ele? Imaginava que sim! Porém, se assim não fosse? Se ela o houvesse esquecido? Seria um trágico fim para um amor de mais de vinte anos! Amor não expresso em palavras, porém confessado mutuamente pela expressão dos olhos de uma menina de onze anos e um jovem de quatorze. Nielk retardava a sua decisão! Será que nada havia mudado durante esse tempo de separação? Ele havia passado por tantos tormentos, e a Walkyria, como seria ela hoje com as modificações introduzidas pelo tempo, pela vivência?
Olhou para o altar e admirou a imagem de Santo Amaro, tendo ao sua direita, Nossa Senhora Aparecida e à esquerda o santo mártir São Sebastião. Como era bonita aquela igreja! Crescera freqüentando aquela igreja mas nunca a examinara como fazia agora, retardando o tempo. Olhou para a abóbada e maravilhou-se com as pinturas ali estampadas. Pinturas já conhecidas desde a infância, mas que nesse momento revestia-se de um brilho todo especial.
Repentinamente, lembrou-se do que o tinha levado ali. - Ela não está aqui - pensou.
Percorreu com o olhar as pessoas que encontravam-se à sua frente, uma por uma. A última figura em que pousou os olhos estava ajoelhada em frente ao altar do Santíssimo Sacramento. Levantou-se e dirigiu-se para lá.
No momento em que ajoelhava-se ao lado da moça, que orava, uma suave música era tirada de um órfão.
Fez uma breve oração e logo voltou-se para a moça que nem se apercebera de sua presença, murmurando suavemente:
- Walkyria!
Ela sentou-se no banco e contemplou-o com olhos tristes . . . Nada disse . . .tentou esboçar um sorriso, quando reconheceu Nielk, porem as lágrimas desprenderam-se de seus olhos e ela ajoelhou-se novamente dizendo:
- Oh! . . .Meu Deus!
- Você lembra-se de mim?
- É claro, e como lembro! Este é o dia mais feliz da minha vida
- Pois é, aconteceu, eu também esperei por este momento durante toda a minha vida. Ensaiei tantos discursos, mas neste momento nem sei o que dizer. Só sei agradecer a Deus; de todo o coração, por este instante, o resto o futuro deverá decidir.
Nielk segurou-a pelo braço fazendo-a levantar-se e a conduziu para a porta. Naquele exato momento, o organista, que ensaiava, atacava notas fortes, como a querer despertá-los daquele êxtase divino que o encontro havia provocado.
Fora, tomaram um taxi e Nielk deu o endereço de Walkyria. Ela nem pensou em como ele sabia. Nada a surpreendia naquele momento. Sonhava apenas, deixando-se levar.
Nielk segurou as mãos de Walkyria e exercitaram aquela linguagem de olhar, a única que haviam conhecido em seu relacionamento, depois Nielk proferiu palavras tremulas de emoção:
- Como sonhei com este momento! Isto compensa-me por todas as tristezas porque passei até hoje.
- Eu também sou plenamente feliz por este instante. A mais de vinte anos vinha sonhando com este momento; com a possibilidade de reencontrá-lo e já me sentia desanimada. Agora a pouco, quando estava na igreja pensava nessa possibilidade e pedia a Deus que me concedesse essa graça. Ele me ouviu e me deu a realidade quando já pensava que tudo não passava de um sonho apenas; inclusive a minha existência! Eu o amo Nielk! Sempre o amei! Você foi o primeiro e único amor de minha vida!
- Eu também, querida, a amo perdidamente. Nestes anos eu a procurei sempre, jamais olvidei a sua imagem. Agora que a encontrei e tenho a certeza do seu amor, nunca mais a deixarei.
Chegaram à residência de Walkyria e Nielk pediu ao motorista que esperasse. Quando entraram na casa encontraram Da. Ângela que acabava de relatar ao esposo o encontro que tivera. Walkyria apresentou o visitante ao seu pai que, revolvendo a memória, declarou:
- Eu me lembro de você! Morava . . .fomos vizinhos, a muito tempo. Você era um menino ainda. A sua fisionomia ainda é a mesma. Só está mais maduro!
- O Sr. também ainda conserva os mesmos traços.
Conversaram por alguns minutos e por fim Nielk levantou-se e pediu que fosse permitido que Walkyria o acompanhasse para almoçarem juntos e poderem conversar. Tinham muito a falar! Era um dia muito especial e precisava ser vivido como tal. O pai de Walkyria mesmo alegando que gostaria que eles ficassem, reconheceu que nesse momento eles preferiam estar sós, e acrescentou:
- O encontro fez bem a minha filha, vejam como ela está corada e radiante!
- Oh! Papai! - todos riram.
O taxi que os esperava levou-os ao restaurante "Burt" em Interlagos. Era uma pitoresca construção cercada por parques e jardins. Começando do lado esquerdo do prédio, se estendia até às margens da represa, uma alameda de pinheiros, bem no meio da qual saia outro caminho que terminava em um amplo espaço, com quiosques. Ali os freqüentadores costumavam repousar depois das refeições, havendo, para isso, confortáveis poltronas de madeira, forradas com almofadas.
À frente do restaurante foram recebidos pôr Burt.
- Sr. Nielk, Senhorita, sejam benvindos!
Bateu nas costas de Nielk que já era um velho conhecido, segredando-lhe:
- Emfim vejo-o em ótima companhia e . . .feliz. O Sr. andava tão solitário!
Acompanhou-os até à mesa a um canto do enorme salão e chamou o garçom.
- Fritz, atenda o Sr. Nielk. Agora me dão licença; bom apetite - e retirou-se.
O garçom trouxe o cardápio, escolheram e, pouco depois, chegavam os pratos solicitados. Pouco comeram, a emoção roubara-lhes o apetite. Tão pouco falavam. Estavam embevecidos. Quase só olhavam-se bastando-lhes isso para a perfeita comunicação, se entendiam plenamente!
Quando terminaram saíram do restaurante, de mãos dadas, silenciosamente e passaram a percorrer a alameda, chegando até um quiosque onde sentaram-se; não havia mais ninguém ali.
Então trocaram as histórias de suas vidas, cada um contando o que lhe havia ocorrido durante os anos de separação. Nielk, nós já sabemos o drama porque passou. A vida de Walkyria havia sido mais calma, em uma cidade do interior, concentrando-se mais interiormente; vivendo o seu sonho secreto, daquele amor tão intenso e tão fugaz, ao mesmo tempo. Vivia para si mesmo, alimentando aquele sonho, que achava quase impossível, mas que não podia admitir que pudesse morrer, porque isso a mataria, também.
Nielk emocionou Walkyria, ao discorrer pelo drama que havia vivido, quando terminou ela estava profundamente comovida:
- Como você sofreu!
- Mas não faz mal, tudo passou, daqui para a frente terei o pagamento de tudo porque passei.
- Eu vou compensá-lo. Você é meu príncipe encantado que esperei por tanto tempo; mesmo não tendo a certeza, sem saber que você estava me procurando, eu jamais perdi a esperança. Lutei para voltar para São Paulo porque tinha uma convicção, comigo, que me indicava que o encontraria. Depois de muitas insistência convenci meus pais e voltamos. E foi bem a tempo de alcançar a realização. Deus é bom! Muitas vezes nos queixamos mas Ele sabe o que é melhor para nós e nos dá, na hora certa, sem um minuto de atraso ou de antecipação. Basta confiarmos. Eu confiei e sou feliz. Apagou-se a amargura de minha vida. A partir deste dia sei que vou ser outra pessoa, muito melhor, de vez que ganhei um novo entusiasmo.
Ao proferir as últimas palavras estava profundamente comovida e os seus olhos marejaram-se de lágrimas; mas eram lágrimas de alegria, de felicidade; Eram lágrimas que lavavam o seu coração, tirando dali qualquer resquício de amargura.
Havia, ainda uma preocupação e Walkyria a externou para Nielk.
- E os seus filhos, como eles receberão tudo isso? Eu não posso esquecer que sou apenas uma estranha para eles. Poderão fazer oposição.
- Eu também já pensei nisso e, de fato, é preocupante. Nós teremos de encontrar uma fórmula para que todos possamos ser felizes.
Passaram-se 30 dias, período em que Walkyria e Nielk usaram para conhecerem-se bem. A cada dia que passava se compreendiam mais e se revelavam um ao outro e conscientizavam-se que de fato haviam sido feitos para que os seus destinos se juntassem. Antes conheciam-se através de um olhar apaixonado, que era um sonho e uma fantasia. Agora, ao constatarem a realidade percebiam que correspondiam aos mitos que haviam construído em suas mentes. Coisa difícil de acontecer porque, geralmente os mitos são desmitificados. Agora sonhavam com o futuro, esperando que pudessem reconstruir o lar de Nielk, com a participação de seus filhos. Era uma tarefa que precisavam enfrentar.
A mãe de Nielk morava em Santos com o filho Carlos, que agora era casado com uma santista, muito simpática, que cativava as pessoas à primeira vista. Olinda era o seu nome; viviam ali, desde a morte da mãe, Jair e Célia, filhos de Nielk.
A pensão que era explorada por Carlos e sua esposa, estava situada a duas quadras da praia, em um majestoso prédio assobradado. Na frente um pequeno jardim bem cuidado. Uma espaçosa varanda tomava toda a frente e o lado esquerdo do prédio. Desta entrava-se para uma sala de estar, onde haviam poltronas e um sofá, saindo, ainda, dali, a escada que levava ao pavimento superior. Da sala de estar passava-se para a sala de jantar, onde haviam, além de uma mesa grande, pequenas mesas para quatro pessoas; desta sala saia um corredor que levava à cozinha, bem no fundo. Neste corredor haviam portas pertencentes a dois banheiros e quatro quartos. No final do corredor, uma porta lateral dava saída para o quintal onde estavam instaladas, a garagem, a despensa e a lavanderia, sobre os quais haviam três apartamentos. No pavimento superior do prédio principal, haviam seis quartos e dois banheiros.
Estamos no dia 16 de julho ( exatamente um mês após o encontro de Nielk e Walkyria). Nesse dia chegaria, de São Paulo, uma nova hospede, Senhorita Walkyria, que havia reservado acomodações pelo telefone.
Walkyria chegou às nove horas, sendo recebida por Olinda.
- Meu nome é Walkyria, reservei acomodações por telefone.
- Muito prazer Da. Walkyria, chamo-me Olinda, chame-me simplesmente de Linda, como todos fazem. Fui eu que a atendi pelo telefone e, como expliquei, a pensão está lotada e a Senhorita terá de ficar no quarto com minha sobrinha. Ela é uma boa menina e por certo não a incomodará. Os quartos somente começarão a vagar no final do mês; o primeiro será seu.
- Tudo bem, mas não me trate com cerimônia, nem dona, nem senhora, sou apenas Walkyria.
Enquanto conversavam Linda foi conduzindo Walkyria. Atravessou a sala de jantar e penetrou no corredor. Quando chegou à segunda porta abriu-a e disse - É aqui - afastou-se para que a outra passasse.
O quarto tinha, como moveis, dois guarda-roupas, uma penteadeira, uma pequena mesa, duas cadeiras, além das duas camas. Sobre estas estavam estendidas colchas bordadas em ponto cruz.
- Você pode ficar com esta cama e este guarda-roupas, Célia está na praia e logo que chegue eu a apresentarei a você. Agora, fique a vontade, se precisar alguma coisa é só chamar.
- Obrigada ,Linda, está tudo ótimo - Linda retirou-se
"Ficando sozinha Walkyria pôs-se a pensar". Tudo estava dando certo. Deus a estava ajudando para que o seu objetivo fosse alcançado. Ficando com Célia, no mesmo quarto, poderia tornar-se sua amiga, preparando o caminho para que fosse concretizado o seu sonho de amor. Considerava esse o seu maior obstáculo para a sua felicidade. Célia, sendo menina, de doze anos, não aceitaria, facilmente, dividir, com alguém, o amor de seu pai. Este fazia-lhe todas as vontades. Com Jair sentia ser diferente. Um jovem de 16 anos não vive muito achegado ao pai". Walkyria ficou cismando por longo tempo. Por fim levantou-se, começando a arrumar as roupas nas gavetas e cabides.
Quando terminou a sua tarefa, saiu do quarto e encontrou-se, no corredor, com uma senhor de idade, e um rapazinho. Logo atrás vinha Linda que os apresentou:
- Esta é Da. Lourdes, mãe de meu marido e, este é meu sobrinho, Jair - e indicando a moça- esta é Walkyria, nossa nova hospede.
Apertaram-se as mãos dizendo as palavras convencionais e logo se apartaram, Walkyria saiu para a varanda e foi sentar-se em uma das cadeiras de vime, na parte lateral. Alguns minutos depois, ouviu uma conversa vinda do jardim, que lhe chamou a atenção:
- Que cara, Célia, o que é que houve?
- Então você não sabe, Jair, a tia Linda vai colocar uma velha solteirona no meu quarto. Se ao menos fosse uma pessoa jovem não me incomodaria! E logo agora que o papai foi viajar e vai ficar tanto tempo fora!
- Você está enganada, Célia, não é nenhuma solteirona velha. A sua companheira de quarto é bem moça e . .bonita. Eu já a conheci e gostei dela!
- Pois eu não vou gostar!
Walkyria ficou preocupada. As suas dúvidas se confirmavam. Não seria fácil!
Quando voltou para o quarto Linda estava lá, com Célia.
- Esta é minha sobrinha Célia. É um pouco caprichosa mas tem um ótimo coração; tenho a certeza de que vocês irão dar-se bem.
Linda saiu e foi Walkyria que rompeu o silêncio - Célia, sinto muito vir perturbar o seu sossego. Compreendo que deve ser desagradável ter de receber uma estranha na sua intimidade, porém, será por pouco tempo, logo que vagar um quarto eu me transferirei. Naturalmente a companhia ideal para você seria uma pessoa jovem.
"Ela escutou" pensou Célia constrangendo-se, depois falou:
- Não tem importância, pode ficar o tempo que quiser.
- Bem . . .eu gostaria de ficar aqui. Simpatizei-me com você e, depois, gosto da companhia de pessoas jovens. Que tal fazermos uma experiência?
Célia já esfriava a sua rebeldia e pensava "Que mulherzinha terrível! Sabe cativar as pessoas! Por mais que deseje não consigo antipatizar-me com ela"!
Encaminharam-se para a sala de jantar e Walkyria pediu para que tomassem, juntas, as refeições.
Aos poucos Célia foi afeiçoando-se a Walkyria. Ela sabia conversar, procurando assuntos que pudessem interessar a uma jovem em formação. Célia seria injusta se maltratasse a moça. Ouvia-a e fazia-se ouvir. Walkyria compreendia o seu íntimo carente de afeto maternal. Célia sentia que aquela amizade preenchia o vazio criado quando perdera a mãe. Sentia, agora, a falta que fazia uma mãe!
Jair, constantemente perturbava a irmã:
- O que aconteceu, a solteirona te enfeitiçou?
- Não amole! dizia a menina, mas no íntimo admitia estar, realmente dominada por aquela afeição.
E não foi somente Célia a atingida, pois, com o decorrer dos dias, Jair, os outros familiares e os hospedes da pensão, haviam sido envolvidos pela suavidade de Walkyria. Mais, ainda, Walkyria, também, estava conquistada pelos filhos de Nielk.
Eram 18,00 horas, do dia 14 de Agosto, quando parou um taxi em frente da pensão e dele saltou Nielk. Quem primeiro o viu foi Célia, que correu para abraçá-lo.
- Minha filha, quanta saudade!
- Não acredito, se fosse assim não teria ficado tanto tempo ausente!
- Não dependia de mim, querida, os negócios me obrigaram a essa separação. Não foi nada agradável para mim. E . . como vão todos, alguma novidade?
- Tudo bem, nenhuma . .espere . . .trouxe a minha encomenda?
- Sim - disse Nielk , tirando um pacotinho do bolso e entregando-o à filha - só não entendi quando você me telefonou. Para quem é isso?
- Você já vai saber, vou apresentá-lo à minha companheira de quarto. Descobri que hoje é o aniversário dela e vamos fazer-lhe uma surpresa. Você vai ajudar. Terá de distraí-la, depois do jantar, enquanto preparamos tudo.
Célia apresentou seu pai a Walkyria. Como ela estava linda! Que vontade Nielk sentiu de abraçá-la! Sentiu uma ponta de remorso por estar enganando os filhos, porém, logo sua consciência o acalmou. Estava procedendo assim para construir a sua felicidade sem causar um desequilíbrio emocional em seus filhos. Desejava , que primeiro os seus filhos aceitassem a moça.
Todos estavam eufóricos com a chegada de Nielk. O jantar transcorreu animado. Quando terminaram Nielk conduziu Walkyria até a varanda (seguindo instruções de sua filha) e lá puderam conversar livremente.
- Você tomou conta de todos - disse Nielk - estou com ciúme. Na verdade nem acharam a minha falta!
- Oh! Nielk . . como me sinto feliz! em sua família todos são maravilhosos!
Durante meia hora , ou mais, Walkyria relatou a Nielk, tudo que se passou desde a sua chegada ali. De repente apareceu Carlos e chamou:
- Walkyria, Célia pediu para que você vá até o quarto, ela não está sentindo-se bem.
A moça levantou-se imediatamente e dirigiu-se para dentro da casa, sendo acompanhada por Carlos e Nielk. Estava tudo escuro. Quando Walkyria tateou para encontrar o interruptor, as luzes acenderam-se e todos começaram a cantar:
Parabéns a você . . .
Walkyria não dominou a emoção e as lágrimas escorreram-lhe pelo rosto. Eram, porém, lágrimas de felicidade, de alegria, pois o seu rosto estava iluminado. Todos a abraçaram, inclusive Nielk que sussurrou, parabéns querida.
Célia entregou um pacotinho a Walkyria (o que Nielk havia trazido) e todos se aproximaram para ver. Aberta a caixinha todos se maravilharam. Tratava-se de um broche de ouro , com uma cruz, uma âncora e um coração entrelaçados.
- Fé, esperança e amor - falou Walkyria, e concluiu, voltando-se para Nielk - seus filhos são maravilhosos. Como eu gostaria de ter filhos assim!
Célia abraçou Walkyria e falou por sua vez:
- Como eu gostaria de possuir uma mãe como você!
Foi Célia quem passou, dali por diante, a procurar influenciar o pai. Ressentia-se da falta de Walkyria que havia voltado para São Paulo.
Você precisa casar-se novamente, papai, assim poderemos estar sempre juntos, voltando a residir em São Paulo.
- E você imagina que alguém desejaria casar com um velho como eu?
- Você não é velho . . e . . eu conheço uma pessoa que . . .
Tudo encaminhou-se com uma precisão novelesca. No dia 6 de Novembro, na igreja de Santo Amaro, realizava-se o casamento de Nielk e Walkyria. Era uma feliz união , abençoada por Deus.
Aqueles dois, que tanto haviam sofrido em suas vidas, alcançavam, finalmente, a felicidade. E não a desejaram somente para si e sim cuidaram para que a aura que os cobria, atingisse, também, aqueles que lhes eram caros. Tardaram a concretizar o seu sonho de amor, mas ao fazê-lo levaram a certeza da consolidação da família F I M -






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