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terça-feira, 30 de setembro de 2008

Contos Para Ler a Dois na Cama

Todos os direitos reservados pelo autor.
É proibida a reprodução dos textos originais, mesmo, parcialmente, e por qualquer processo, sem a autorização, por escrito, do autor.

Registro Biblioteca Nacional: EDA/BN-76555 de 08/05/1.992


Contos Para Ler a Dois na Cama

Bruder Klein

Bruder Klein
(Irmão Pequeno)
E-Mail: mik346@hotmail.com


“Aprenda os segredos da vida e da morte olhando para dentro de si mesmo.”
“Somente encontrando-se a si mesmo você poderá definir o que realmente deseja como opção para a felicidade..” Abril de 1.992
(Irmão Pequeno)




Correspondência: José Wladimir Klein
Av. São João Batista, 384 - Bloco B7 - Apto.23
Rudge Ramos - São Bernardo do Campo S P
09635-0900





A P R E S E N T A Ç Ã O




O que é a ficção senão a imitação da vida?
O escritor rebusca as suas aspirações que jazem no mais íntimo do ser e fantasia-as, provocando a exteriorização de coisas que não pôde viver. Outras vezes separa pedaços de vidas e de sua própria vivência, para animar os personagens que cria com o intuito de falar ao mundo tudo aquilo que os condicionamentos nos impedem de dizer.
As obras de ficção sempre encerram o fruto da observação dos acontecimentos que nos cercam, misturados com o que o autor vive baseado em toda a sua experiência interior, que muitas vezes nem é do seu conhecimento. O cérebro funciona como uma espécie de misturador e selecionador de atos e fato extraídos, por um complicado processo, o controvertido assunto que irá entreter o ser humano ávido de novidades.
Na realidade, mesmo que não admitamos e que neguemos que quando escrevemos nunca desejamos dizer nada além do próprio texto, esse fato existe, tornando as histórias, um complicado teste projetivo que revela a personalidade psicológica de quem escreve, registradas nas entrelinhas de uma obra completa. Se analisarmos o conjunto da obra de um autor, com espírito de observação poderemos colher informações para compor a história de sua vida. E mais do que isso, a revelação é tão mais profunda, que poderemos alcançar até coisas desconhecidas para a própria pessoa.
Esse exercício também será muito proveitoso para o leitor que aprenderá a se conhecer com mais intimidade através da identificação ou aversão a certos tipos de personagens. Muitas vezes repudiamos a atitude de alguns personagens por revelar aquilo que repudiamos em nós próprios.
A obra de um escritor só completa-se quando é lida e aperfeiçoada pelo leitor; as duas partes digladiam-se pela influência que cada um procura exercer sobre o outro. Quanto mais controvertido for o assunto mais gratificante pela procura, não de uma solução oferecida pelo autor, e sim, daquela que nos satisfaz. Nunca aceitamos comodamente, sem contestar, aquilo que não se enquadra perfeitamente em nossa maneira particular de observação.
Ao ler estes contos, procure conhecer o autor através de seus personagens e procure conhecer-se através de uma auto-analise que a leitura lhe proporcionará.


Abril de l.992


Bruder Klein
(Irmão Pequeno)






Í N D I C E



TÍTULO PAG.
Apresentação 02
A Felicidade os Aguardava 04
A História do Zé Chifrim 08
Acontecimentos Estranhos 10
Adultério 14
Destinos Traçados 18
Frei Xaxá o Prefeito Imperfeito 24
Lua de Mel Atrapalhada 28
Mea Culpa 31
O Único Caminho 33
Uma Vida 36
Um Jovem Alucinado 37
Vidas Reconstruídas 40


A F E L I C I D A D E O S A G U A R D A V A


Rogério parou o carro na Praça Dr. Adhemar de Barros, ao lado da igreja matriz de Mococa. Com o radio ligado, ficou ouvindo a “Radio Clube. A sua fisionomia indicava bem o trauma porque havia passado. Ele procurava, por todos os meios, afastar aquelas cenas que teimavam em sempre voltar à sua memória. Tudo já havia acontecido a mais de dois anos!
Rogério era vendedor de uma firma de computadores e sempre viajava. Estava cansado daquela vida, mas não encontrava outra opção; já com quarenta e cinco anos, não tinha ânimo de procurar uma nova colocação, onde teria que começar tudo de novo. Sabia da discriminação que havia para admissão de novos empregados. Passou dos trinta e cinco anos o ser humano é considerado ultrapassado e ninguém deseja o seu concurso; esquecem-se que é a partir dessa idade que as pessoas darão o melhor de si, graças à experiência e responsabilidade. Ma o que dizem, em tom de chacota é “o vinho tem de ser velho, o empregado novo!”
Bem, o que ocorreu com Rogério, naquele longínquo dia foi que, tendo saído com a certeza de empreender uma viajem, como de costume, chegando ao escritório da firma, recebeu outra ordem; outro colega seu havia ido para a mesma região e se encarregaria de realizar aquelas visitas. Ficou acertando algumas coisas, no escritório e quando eram duas horas da tarde foi para casa.
Talvez não encontrasse a esposa em casa, pensava, ela muitas vezes saia para fazer compras e distrair-se, visto que não tinham filhos.
Parou o carro em frente a garagem e entrou em casa. Parecia vazia, como era de se esperar. De repente pareceu-lhe ouvir vozes que vinha do pavimento superior. Subiu as escadas e constatou que de fato haviam pessoas conversando. Abriu a porta do quarto de vestir e quando ali penetrou percebeu, em um poltrona, roupas masculinas; espalhadas pelo chão, haviam várias peças de vestuário feminino. As vozes que chegavam até aquele cômodo, onde estava, não deixavam dúvidas sobre o que estaria acontecendo. Ficou perplexo e estático; notando que havia uma arma de fogo, por sobre a roupa masculina, apanhou-a automaticamente, abriu a porta do quarto de dormir.
Quando voltou a si, de um torpor momentâneo, os gemidos de prazer havia transformado-se em estertores de dor; alucinado, ainda, terminou de descarregar a arma, com todo o ódio que poderia sentir naquele momento.
Depois, desceu as escadas e saiu de casa, subiu no automóvel e acelerou, cantando os pneus do carro. Olhando para trás, pelo espelho, ainda percebeu que os vizinhos corriam para a sua casa para verificar o que estava acontecendo. A sua primeira idéia foi jogar o carro por alguma ribanceira e acabar com tudo. Foi rodando sem destino e a sua cabeça foi esfriando, a mente clareando e daí percebeu a besteira que havia feito, em um momento de perda do controle emocional. Em estado de perfeita racionalidade nunca chegaria a fazer aquilo. Agora era tarde e impossível de voltar atrás; não sabia se realmente matara os amantes, mas isso , agora, era secundário, precisaria, pelo menos, fugir ao fragrante; não entendia bem dessas coisas, portanto teria que se precaver.
Rogério ficou vários dias desaparecido; quando estava bem mais calmo, telefonou para o Dr. Rodrigues, que além de amigo íntimo, era seu advogado. Aí soube que os tiros não tinham sido mortais, apenas dois atingiram o alvo. Soube, também, que o amante de sua mulher era um delegado (e entendeu o porque da arma à mão para que tudo se consumasse. Tudo acabou em nada; a família de sua esposa era muito influente e o amante era uma autoridade e abafaram tudo, já que não houvera mortes.
Uma coisa era indispensável, o divorcio; separaram-se legalmente e cada um foi cuidar de sua vida. Os traumas ficaram! Rogério foi acometido por um esgotamento nervoso que o impossibilitou de trabalhar; foi afastado por invalidez. Mudou-se para o interior para tentar recompor os pedaços de sua vida. Sem contar com pessoas amigas com quem pudesse desabafar a sua angústia, vivia desarvorado.
Numa dessas horas é que o encontramos, parado na praça, dentro do automóvel, ouvindo radio, esperando o nada dos acontecimentos. O que poderia acontecer em uma cidade pacata como Mococa!
Depois de alguns momentos que estava ali, cismando, remoendo as suas amarguras, viu que um rapaz saia do restaurante, em frente; um rapaz ou uma garota? Os jovens de hoje são “unissex”, é difícil de distinguir-se se são do sexo masculino ou feminino. Reparou bem e parecia existir uma elevação no busto, que era disfarçada por um blusão largo. Mas não podia ser, era de fato um rapaz! A maneira de andar, meio gingada, o modo de fumar, tudo caracterizava um jeito de rapaz; o fato de ser completamente imberbe não queria dizer nada, pois muitos rapazes são assim.
O “rapaz” com o cigarro entre os dedos, seu jeito gingado de andar, atravessou a rua e parou no ponto do ônibus. Passaram-se quinze minutos sem que o coletivo aparecesse. O jovem estava impaciente! Rogério, que o observava, desceu do carro e começou a passear pela calçada, como quem não quer nada; aproximou-se do rapaz e como ele sorriu se animou a perguntar:
Algum problema?
-É. . . o ônibus que não aparece e eu vou perder o horário do trabalho! A minha firma é no Distrito Industrial que fica bem longe e não dá para ir a pé.
Se você quiser eu o levarei até lá, disse Rogério.
Não. . . imagine! Não quero lhe dar trabalho.
Não será trabalho nenhum. Para mim até será um passatempo, estou procurando com o que preenchê-lo.
Então eu aceito, se não vou acabar perdendo a hora mesmo.
Rogério abriu o carro, o rapaz entrou e partiram; Rogério apresentou-se
Meu nome é Rogério, estou a pouco tempo na cidade, você indica o caminho que eu não conheço nada.
Pode deixar, vire à direita e pode ir em frente. Meu nome é Jacy.
Rogério continuou indeciso; com esse nome não poderia definir de que sexo o “rapaz” era. Sua voz era indefinível. Possuía uma delicadeza de moça, mas uma cabeça amadurecida que mais parecia de um homem experimentado. Ainda havia a maneira de andar que confirmava ser um rapaz. Rogério desistiu de tentar descobrir e aceitou-o como um companheiro. Ficaram amigos e passaram a sair juntos, freqüentavam barzinhos, tinham bate-papos agradáveis. Jacy também não era da cidade, trabalhava e estudava à noite. Contou a Rogério que quando completou vinte e um anos saiu de casa por haver muita incompatibilidade entre ele e os pais. A amizade amadureceu e os dois tornaram-se amigos de verdade, sendo encontrados sempre juntos.
Um fim de semana, foram dar um passeio em Guaxupé e quando iam voltar, o carro de Rogério apresentou um defeito. Procuraram um mecânico, mas o conserto só poderia ser feito na segunda feira por ter necessidade de substituir uma peça que não havia na cidade. Pensaram em deixar o carro lá e viajar de ônibus, voltando segunda feira para buscar o mesmo. Acabaram por seguir a sugestão de Rogério para dormirem lá; alugaram um quarto em um pequeno hotel, onde haviam duas camas de solteiro e depois de banharem-se, dormiram com a mesma roupa, visto que não estavam prevenidos para o pernoite.
Pela madrugada, Rogério acordou e acendeu a luz de cabeceira para olhar as horas. Jacy estava de costas, os seus cabelos, compridos, espalhando-se pelo travesseiro colocando-se como uma moldura daquele rosto delicado, bonito! Rogério ajoelhou-se ao lado da cama do companheiro e ficou contemplando aquele rosto suave, aqueles lábios carnudos e bem feitos; numa alucinação incontrolável aproximou-se e beijou, de leve, aquela boca que o atraia. Consciente daquela loucura, não possuía forças para retroceder. Aproximou-se novamente e tornou a beijar aqueles lábios. Percebendo a camisa entreaberta, enfiou a mão pela abertura e apalpou um bico intumescido. Apertou mais os lábios e sentiu que iniciava-se uma correspondência e Jacy abriu os seus olhos e passou os braços pelo pescoço de Rogério. Este estava desvairado, deitou-se ao lado de Jacy e uniu, novamente os lábios àquela boca que também parecia desejar devorá-lo.
Rogério, assustado, levantou-se e sentou-se na cama.
Que loucura! O que está acontecendo conosco? Me perdoe, eu não sabia o que estava fazendo; sinto-me envergonhado!
Mas eu sei o que estou fazendo. Eu amo você, Rogério.
Isso não é possível! É uma aberração, que eu não posso aceitar!
Foi bom que tivesse acontecido assim, disse Jacy, e não existe aberração nenhuma. Você vai compreender porque. Eu estou de fato apaixonada por você. “Apaixonada”! Ouviu bem? Eu posso, porque na realidade eu sou mulher. Depois que eu o conheci é que comecei a desejar assumir o meu verdadeiro sexo. Eu vou te contar:
Quando eu nasci, meu pai desejava muito um filho homem, e ficou frustrado. Principalmente porque minha mãe nuca mais poderia ter filhos. Ele fazia com que eu brincasse com brinquedos de menino, me vestisse como menino e tudo isso é que foi formando a minha personalidade. Quando eu fui crescendo todos julgavam que eu era menino. E, até, fiquei com a cabeça confusa não sabendo definir os meus sentimentos. Quando completei vinte e um anos saí de casa, borrei a minha certidão de nascimento no local onde designava o sexo e passei a viver como se fosse homem. Isso causou-me grandes aborrecimentos, mas eu sempre consegui resolvê-los de maneira satisfatória. Quando eu o conheci, depois de algum tempo, passei a desejar assumir a minha verdadeira identidade, e sexo, pois me afeiçoei por você e desejava me realizar como mulher e ajudá-lo, também, a eliminar as suas amarguras. Sentia que deveríamos ficar juntos. Mas isso não era fácil de realizar. Como eu poderia esclarecer a minha situação para que pudéssemos nos realizar como homem e mulher? Várias vezes tentei, mas na última hora perdia a coragem, por não saber como você iria reagir. Passei por momento de agonia, amando-o sem poder expressar o meu amor, porque isso poderia ser considerado um absurdo. Coloque-se no meu lugar e analise a minha dificuldade de esclarecer tudo. Mas tudo acabou acontecendo de uma maneira inesperada, revelando que acima de tudo existia um sentimento muito forte entre nós. Acho que esse amor existe de fato e assim poderemos nos realizarmos e construirmos a nossa felicidade.
Rogério aproximou-se de Jacy, que havia levantado-se da cama, onde durante todo o tempo havia falado, de cabeça baixa, e beijou-a suavemente, depois com maior intensidade, apertando-a contra o seu peito.
Que bom! Acordamos de um sonho, ou pesadelo, e percebemos que as nossas aspirações são possíveis! Que poderemos viver o nosso sonho na realidade! Que bom que podemos realizar esse sonho tão bonito, de amor, sem nos envergonharmos! Deus é bom! Quando precisamos, as vezes nos castiga, mas em seguida nos dá o paraíso como compensação. Agora vamos construir a nossa felicidade em bases sólidas; você assumindo a sua verdadeira personalidade e eu, também, me renovando, para assim nos ajudarmos mutuamente.
Naquela manhã, em que o sol apresentava-se bem visível, com todo o seu esplendor, parecia que toda a natureza sorria, quando Rogério e Jacy deixaram aquele pequeno hotel. Eram duas pessoas renovadas e confiantes no futuro. Amavam-se e dispunham-se a lutar juntos pela felicidade que os aguardava.



A H I S T Ó R I A D O Z É C H I F R I M

Esta é a história do Zé Chifrim. José Aparecido de Freitas Nepomuceno, Vulgo Zé Chifrim.
Nasceu como rebento espúrio de Da. Genoveva do Fundão. Não conheceu o pai ( nem poderia ter conhecido, pois nem Da. Genoveva poderia determinar a paternidade do filho, entre tantos que rondavam o seu quintal).
Zé Chifrim, passou a ser chamado assim devido à “profissão” de sua mãe. Aborrecia-se muito quando os seus colegas de escola insinuavam ofensas, mas com o tempo acostumou-se e adotou o seu novo nome; nem lembrava-se mais do verdadeiro , a não ser quando tinha necessidade de usá-lo oficialmente.
Menino inteligente, aprendeu com facilidade as primeiras letras e sua mãe colocou-o como aprendiz de marceneiro em uma oficina de um seu “conhecido”. Zé Chifrim, em pouco tempo já estava apto a ganhar a vida honestamente em sua profissão.
Não era de todo infeliz; carregava um desconforto interior pelo que conhecia da vida de sua mãe; não comentava nada! Percebia-se a sua inferioridade interior, pelo seu porte, sempre de cabeça baixa, parecendo estar remoendo alguma coisa que o incomodava; dava até a impressão de um cão doente. Outro vazio que sentia era por não ter conhecido o pai; este bem que poderia ser um amigo do qual sentia falta; uma pessoa com quem poderia trocar idéias, conversar e que poderia, até, ajudá-lo a conhecer as “coisas de homem”!
As dificuldades interiores não retardaram o crescimento e quando Zé percebeu, já era homem feito. Se bem que frustrado com a vida, tinha certeza que era homem, Macho! Gostava de mulher! Embora nunca tivesse tido a oportunidade para saborear o fruto que sua natureza reclamava, cada vez com maior intensidade.
Tímido, sem companheiros em quem pudesse depositar as suas ansiedades, só via uma saída para que viesse a perder a “inocência : Casar. “Mas casar não é casaca” como lhe diziam. Era uma responsabilidade que o assustava; depois casar com quem?
Até que um dia apareceu a pessoa certa: Mafalda!
Mafalda havia vindo de uma outra cidade vizinha e foi morar próximo à casa de Da. Genoveva. Era um mocinha já “escolada” e logo foi envolvendo o Zé até colocar-lhe na boca o pedido de casamento.
A mãe da moça, que ajudava nos “arranjos”, logo apressou o casório, e em pouco tempo estavam partindo para a lua de mel.
Mafalda era a mulher ideal para um rapaz inexperiente, que nem se deu conta ser ele o único virgem naquela noite.
A felicidade tomou conto do Zé. Agora poderia gabar-se de ser homem! Possuía, em sua companhia, um anjo caído de céu! Caminharia de cabeça erguida, sem envergonhar-se, como acontecia no tempo em que residia com a mãe, que todo o mundo sabia . . .
Mafalda, passado o primeiro momento já desesperava-se com aquela vida pacata, sem “variedades” . . . começou a lembrar-se do primo, que a havia iniciado nos segredos do prazer . Assim que teve uma oportunidade foi visitar a tia e aproveitou . . . Depois disso não parou mais: Foi o Seu Zito da venda, o Juca sapateiro, o Japão do mercado, Neco carvoeiro, etc.etc.etc
Zé Chifrim nem percebia a mudança operada em Mafalda. Aborrecia-se quando a mulher “recusava-se” alegando dor de cabeça - É tão bom, Mafalda! Quem sabe até passa a dor de cabeça! Mafalda era irredutível - Estou cansada! Será que você só pensa nisso? e ponto final.
Dizem que o corno é sempre o último a saber! Chega, porém, um dia, que isso acontece! E foi o que aconteceu!
Certo dia, terminado o serviço mais cedo, resolveu, seu Zé, fazer um surpresa à mulher. Chegou em casa e entrou pelo portão do lado, como de costume; nem fez barulho! Quando chegou perto da janela do quarto, que estava aberta, ouviu uns gemidos; espiando, de mansinho, espichando a testa, presenciou o delírio de sua mulher, que estava nua, espremida por baixo do Expedito vidraceiro. Ficou vidrado, petrificado!
Por isso que a mulher andava fugindo dele, ela tinha quem a consolasse! A vontade que teve foi de matar os dois, mas como, nem possuía arma! Ficou parado por um instante, sem saber o que fazer. Controlou-se e saiu.
Precisava pensar; aquilo tudo lhe causava nojo! Mas por incrível que parecesse, dava-lhe, também, tesão! Tinha vontade de possuir aquela mulher, mas não como esposa, sua, e sim como a viu naquele ato, possuída pecaminosamente. Com ele a mulher nunca manifestara prazer como ele a vira, agora, com aquele outro.
Vagou longo tempo pela rua analisando o cinismo de sua mulher que pousava de dama, e era uma sem vergonha!
Quando voltou para casa havia tomado uma resolução.
Durante o jantar, dissimulou, e quando já terminavam, como quem não quer nada, disse à mulher:
Sabe, Mafalda, eu tive pensando . . .Você sempre desejou mudar para a Capital e acho que agora chegou a hora. Lá, até poderemos mudar de vida; com a minha profissão terei facilidade de ganhar melhor que aqui!
Mafalda, logo interessou-se pela conversa.
Pois não é mesmo? Eu sempre falei isso prá você; você é que sempre foi cabeça dura, parecia que queria ficar até o fim da vida neste buraco!
Pois minha cabeça amoleceu! - quase que inconscientemente passou a mão na cabeça, pensando nos chifres que a mulher havia ali colocado - e nós vamos prá São Paulo.
Vamos fazer o seguinte ; Eu não posso abandonar o serviço agora, de repente, sem mais nem menos; então você vai na frente e fica hospedada em casa de seu primo Ernesto, e vai procurando uma casa que sirva prá gente. Quando estiver tudo arranjado, lá e aqui! Sim! Você deixa uma procuração para eu poder vender a casa . . .aí eu vou com a mudança.
Mafalda, mais do que depressa topou, preparou as coisas e partiu, não se dando pressa de arranjar logo a tal casa, pois achou que seria bom gozar as delicias da cidade grande, como se fosse solteira.
Só vinte dias depois telefonou, para a casa vizinha da sua, a fim de dar conta de sua parte na combinação. Mas qual não foi a sua surpresa quando a vizinha lhe disse:
Mas o seu Zé já foi com a mudança, faz mais de uma semana!
Mas, como? Não é possível, A senhora deve estar enganada!
Tanto é verdade que o novo proprietário da casa já mudou, estamos de vizinho novo.
Mafalda desligou o telefone estupefata! O que estaria acontecendo?
E essa pergunta ficou sem resposta; pois Mafalda nunca mais ouviu falar de Seu Zé e teve que penar o resto da vida, trabalhando para manter-se ; sem saber por que o marido havia feito tamanha maldade


A C O N T E C I M E N T O S E S T R A N H O S


Henrique foi passar o seu aniversário em Piraçununga, na casa de sua “meio irmã” Mercedes. Mercedes fora criada com Henrique, desde que os seus pais faleceram e ela, não tendo parentes foi acolhida em sua casa. Já adultos cada um tomou o seu rumo, encontrando o seu companheiro e casaram-se. Henrique continuou residindo em São Paulo, enquanto Mercedes passou a viver em Piraçununga, visto que seu marido era militar e prestava serviço naquela cidade. Anos depois, quase ao mesmo tempo, Ambos ficaram viúvos. Querendo-se como irmãos, cada um procurou apoiar o outro e venceram aquela etapa difícil de suas vidas. Mercedes teve um casal de filhos, Marília e Walter, e Henrique não teve a mesma sorte e ficou sozinho. Nenhum dos dois quis casar-se novamente, embora tivessem aparecido vários pretendentes. Mercedes quase não se ausentava de Piraçununga e Henrique, sempre que tinha uma oportunidade ia até lá. Acompanhou o crescimento de Marília e de Walter a quem considerava como verdadeiros sobrinhos. Os dois cresceram e, também, tomaram os seus destinos. Walter, que escolheu a profissão do pai, continuava em Piraçununga, e Marília, que era a mais velha, tendo se formado em Direito, foi residir em Ribeirão Preto, onde exercia a sua profissão. Nesse dia reuniram-se todos em casa de Mercedes para comemorar o aniversário de Henrique.
Quando Henrique chegou, foi uma alegria geral, abraços e beijos, porém, uma coisa inesperada; as manifestações de Marília foram um tanto exageradas, mas tudo passou desapercebido pelo entusiasmo que dominava a todos naquele momento. Almoçaram em um ambiente de euforia, onde, também, estava presente a namorada de Walter, Lúcia, uma jovem muito simpática. Henrique chegou a brincar com Maríla:
- E você, arranjou um noivo? Olha que o Walter vai te passar a perna e vai deixá-la para titia!
- Eu já tenho o meu “príncipe encantado” - respondeu Marília - só que é segredo, ele está guardado bem no fundo do meu coração!
Terminaram o almoço e depois de conversarem um pouco na sala de estar, saíram para assistir a apresentação da “Esquadrilha da Fumaça” que se apresentava, como parte das comemorações da “Semana da Asa”. Do próprio quintal da casa dava para assistirem, e adoraram aquela apresentação. Quando terminou, todos foram para dentro, menos Henrique e Marília. Henrique ainda olhava para o céu, distraído, vendo as marcas de fumaça que iam se apagando aos poucos. Nesse instante sentiu dois braços que o envolviam, pela cintura, por trás, um corpo que apertava-se contra o seu, um rosto encostado às suas costas e ouviu a voz trêmula de Marília dizendo:
- Você é o meu príncipe! Você é que está dentro do meu coração!
Henrique assustou-se com aquela manifestação e voltou-se rapidamente. Ficou de frente para Marília e esta aproveitou-se para passar os braços em seu pescoço, chegando os lábios junto à boca de Henrique, que imediatamente afastou-se, chegando a roçar os lábios de Marília.
- Que brincadeira é essa, Marília?
- Não é brincadeira, é verdade! E isso não é um sentimento novo, eu sempre senti, desde pequena, só aguardava o momento em que teria coragem de falar a você. Eu sei o que quero! Ou você acha que é por acaso que eu nunca tive namorado? Várias vezes eu estive prestes a te falar mas faltou coragem no último momento. E tenho a certeza que você também não é completamente indiferente!
- Marília, você me confunde, nem sei o que dizer, o que pensar!
- Não é preciso pensar nada, acho que o nosso destino têm de ser juntos; o meu sentimento é verdadeiro, Henrique!
Talvez seja, Marília, mas você está confundindo as coisas; você me quer de outra forma, eu poderia ser teu pai; e sou teu tio, lembra-se?
- Por afinidade, você nem é irmão verdadeiro de mamãe! E mesmo que fosse isso não faria diferença nenhuma!
- Assim mesmo, já pensou o que ela pensará de tudo isso?
- Ela não tem o direito de pensar nada, a vida é minha!
Não é assim, Marília, ela tem o direito de desejar a tua felicidade!
Ela teve o direito de desejar a felicidade dela; a minha quem decide sou eu.
Como assim, não entendo, a tua mãe sofreu muito todos esses anos com a doença e depois a morte de teu pai.
- Isso é só uma parte da verdade. Embora, de fato, ela haja sofrido, com tudo isso, ela procurou o seu consolo
- Do que você está falando, Marília? Não entendo, fale claro!
- Mamãe também apaixonou-se por alguém mesmo antes de papai falecer . . . e teve um romance; com um meu colega de colégio! Eu descobri e fiquei calada. Embora tivesse sido um acontecimento chocante, para mim, na época, eu entendi que, se havia nascido esse sentimento em seu coração, ela tinha o direito de procurar algo que ela já não recebia em sua vida conjugal. A vida é assim, Henrique, nós todos estamos perdidos no mundo, desencontrados; por isso entendo que não devemos abrir mão, quando realmente nós desejamos uma coisa. Logo, mamãe, que viveu essa experiência de amor, com um jovem que, também poderia ser seu filho, terá de entender os meus sentimentos!
- Você amadureceu demais, Marília, eu estou me sentindo um menino perto de você!
- Isso não é questão de amadurecimento, é questão de compreensão; acho que devemos entender as pessoas. Quanto a mim, guardo esse sentimento a muitos anos dentro de mim; é a razão de minha vida, não me decepcione, Henrique!
- Eu preciso raciocinar! Preciso de algum tempo para assimilar isso que está acontecendo!
- Me diga uma coisa. Você nunca sentiu nada por mim, nunca ocorreu algum mau pensamento?
- Marília, você está me provocando! É claro que muitas vezes nascem fantasias em nossa mente, sonhamos, mas nunca passa disso!
- Então já me sinto feliz, porque onde existe o sonho poderá haver a realidade!
- E a realidade, muitas vezes, contradiz as nossas aspirações!
- Você não irá matar os meus sonhos, não é, Henrique?
- Somente o tempo poderá nos aconselhar.
- Bem - acrescentou Marília - acho que não poderemos terminar a nossa conversa aqui. Terça-feira volto para Ribeirão Preto e quando você for embora espero que antes passe por lá para terminarmos, ou concluirmos, o nosso assunto!
Na Terça-feira pela manhã, ao despedir-se de Henrique, Marília colocou, em seu bolso, uma chave com um bilhete: “Espero você na Quinta - feira, o endereço é Rua Paraíso, 96, Bairro Esmeralda; aqui está a chave para o caso de você chegar antes de mim.
Henrique passou dois dias de agonia! Não sabia o que deveria fazer. Teve vontade de voltar para São Paulo sem ir a Ribeirão Preto, mas ao mesmo tempo o inusitado dos acontecimentos haviam criado, em seu coração, uma sensação de vazio. Era viuvo já a vários anos e não havia tido nenhum relacionamento sério. Isso tudo que estava acontecendo com ele era uma loucura. Mas também sentia-se rejuvenescido por despertar esse sentimento. que parecia tão sincero, em uma jovem de vinte e dois anos. Debateu-se na incerteza do caminho a tomar. Ao mesmo tempo que pensava em fugir do problema, pensava que a sua fuga poderia causar uma desilusão em Marília, que havia aberto o seu coração com tanta esperança. Alimentando essa dúvida, despediu-se de Mercêdes na quinta-feira e partiu; quando percebeu havia tomado a estrada que levava a Ribeirão Preto.
Quando chegou ao numero 96 da Rua Paraíso, foi informado, pelo porteiro, que Marília já havia chegado; eram 18;30 horas quando tomando o elevador, subiu ao nono andar e tocou a campainha no apartamento nº96. A própria Marília abriu a porta. Estava linda, com os cabelos soltos e um pouco caídos na testa, os olhos imensos, sorrindo, transparecendo neles a sua inocência misturada com uma determinação! Abraçou Henrique e encostou o seu rosto no dele falando baixinho, com emoção:
- Obrigada por ter vindo, eu tinha a certeza que você não iria me decepcionar.
- Eu vim para conversarmos, para procurar esclarecer as tuas dúvidas.
- Eu não tenho dúvidas, você as tem?
- Muitas!
- Pois vamos deixar para resolvermos depois do jantar, já está tudo preparado.
Henrique olhou para a mesa, já estava arrumada para duas pessoas, à luz de velas, criando um ambiente romântico.
O apartamento era simples, decorado com muito bom gosto pela própria Marília. Constituía-se de uma sala dupla, de jantar e de estar, cozinha, um lavabo e uma suite.
Durante o jantar estavam ambos constrangidos, medindo as palavras, falaram das famílias, rememorando acontecimentos passados e tudo aquilo ia descobrindo intenções ocultas, palavras perdidas no tempo que agora passavam a ter um significado diferente. Henrique acabou por constatar que, também para ele, o sentimento não era novo, era algo enterrado bem no fundo do seu inconsciente, como impuro. Havia nascido a algum tempo, sufocado como proibido. Entendeu que aquele apego que teve por Marília, de fato não era
um sentimento de tio e sim uma coisa mais profunda que agora emergia e tomava proporções que o assustava.
Quando terminaram o jantar, passaram à sala de estar e continuaram a conversa que, agora, passou a concentrar-se no assunto principal de seus interesses. Aos poucos foi-se desfazendo o constrangimento e, sentados no mesmo sofá, seguraram-se as mãos e passaram a falar, olhos nos olhos; quando as almas se misturam em um trasbordamento de sinceridade e nasce a compreensão. Depois de algum tempo, Henrique falou:
- Marília, ainda acho que tudo isso seja uma loucura, um sonho que vai acabar-se e nos deixar frustrados, quando acordarmos.
- Não é sonho, Henrique, é realidade. Uma realidade que foi por mim sonhada por muito tempo. Sentia que esse amor que eu sentia por vocês era correspondido. Sentia que você me amava, embora nem soubesse disso!
- De fato, eu me rendo às evidências! Acho que você fez despertar, em mim, uma coisa que estava adormecida por muito tempo. Mas como iremos realizar esse sonho, que para nós é tão bonito mas que dificilmente será entendido e aceito pelas outras pessoas? Você terá que me dar um tempo, para que consiga abordar o assunto com tua mãe, para que depois possamos casar.
Marília atraiu Henrique para si oferecendo-lhe os lábios entreabertos e ele a beijou. Primeiro suavemente, apenas roçando os seus lábios nos dela, e depois apaixonadamente, fundindo até os espíritos. Depois, ainda continuaram abraçados, olhando-se nos olhos e Marília falou:
- Quem falou que eu quero casar com você?
-. . .é a única coisa acertada a fazer, respondeu Henrique.
- Sim! Para a maioria das pessoas seria o caminho a seguir. E geralmente, essas pessoas já deixam uma porta aberta para a separação. Eu penso diferente. De maneira nenhuma gostaria que alguém ficasse preso a mim por um simples documento. Acho que duas pessoas deverão estar juntas enquanto houver amor (e ele poderá ser eterno) quando este acabar será inútil. Acima de tudo, penso que, mesmo sem existir laços oficiais, duas pessoas poderão ficar juntas por toda a vida. Se amando e se respeitando. É isso que eu espero que aconteça conosco.
- Marília!
- Não se preocupe, Henrique, sou adulta, sei o que desejo, planejei e sonhei com o dia que isso aconteceria. Guardei-me para você! Por incrível que pareça, no final do século vinte, estou pura como no dia em que nasci. E ofereço essa minha pureza em holocausto a um amor, também, puro, que alimentei por muitos anos em meu coração.
Marília terminou as suas palavras com a emoção transbordando; a sua voz estava trêmula! Henrique, igualmente sensibilizado, sentia não poder fazer com que o seu destino tomasse um rumo diferente e rendia-se para colher aquele fruto precioso! E realmente, foi uma noite inesquecível! Almas em delírio, buscando, nas suas entranhas, dádivas de amor para oferecerem, um ao outro, na ânsia de perpetuarem aqueles momentos pela eternidade.



A D U L T É R I O


Juca sempre foi um rapaz trabalhador e lutou a vida toda para estabelecer uma situação econômica estável. Formou os filhos, todos casaram-se e constituíram as suas famílias. Para ele a missão estava cumprida!
É certo que os avós continuam a viver pelos netos, mas já é uma coisa diferente, pois as obrigações, na realidade, são dos pais.
Vivendo sempre na Capital, sonhava ir, um dia, residir no interior; uma cidadezinha pequena, calma, onde pudesse usufruir do esforço que despendeu por tantos anos de labuta, trabalhando, muitas vezes, aos domingos e feriados e prolongando o horário em horas extras.
No começo a esposa não queria, mas acabou concordando e depois de alguns estudos compraram uma casa em uma cidade muito simpática, distando duzentos quilômetros da Capital. Mesmo não sendo muito longe foi difícil a adaptação. Sentiam-se divididos por estarem muito longe dos filhos e netos. Acabaram acostumando-se e as viagens mais freqüentes no inicio, passaram a alargar-se e consolidaram a sua estada definitiva.
Júca acostumou-se, de fato, mas a esposa, que possuía um temperamento instável, começou a sofrer uma série de depressões, por não conformar-se à rotina daquela vida calma do interior.
Dai, passar a desenvolver um processo de fuga da realidade, desejando a busca de emoções mais fortes do que podia viver com o marido; mais motivada por uma anomalia mental que a obrigava a exteriorizar o desejo de relacionamento. Passou a flertar; sorrisinhos encorajadores que encontraram ressonância. O marido, conhecedor dos problemas da esposa, sempre estava vigilante para impedi-la de praticar excessos que pudessem ser mal interpretados e até provocar a consumação de atos mais condenáveis. Percebia o que estava acontecendo, mesmo identificando os mais audazes.
Um desse casos tomou proporções assustadoras e Juca passou a recear o que pudesse acontecer. Amava a esposa de tal maneira que tudo faria para protegê-la mas muitas vezes sentia-se impotente para alcançar o seu objetivo.
A esposa passou a querer viajar freqüentemente para a Capital do Estado e dada as proporções que as coisas estavam tomando, Juca não podia controlar ou impedir essas viagens em razão de sua esposa exigir e acabar por tomar a resolução de viajar, mesmo contra a vontade do marido.
Uma das vezes em que Júlia insistiu para viajar para a casa dos filhos e indo contra a vontade do marido, Juca, passando pela casa do indivíduo que andava assediando a esposa, não viu o seu carro na garagem, como de costume. Preocupado, achou uma maneira de telefonar para aquela residência para pedir para falar com ele. Recebeu a resposta que a referida pessoa havia viajado para São Paulo e só voltaria dentro de três semanas (justamente o tempo que sua esposa ficaria lá).
Essa noticia transtornou Juca. Não desejava crer que houvesse algo, mas essa coincidência o preocupava. Matutou, por diversos dias, o que deveria fazer! Se não fosse coincidência, então deveria estar se consumando uma traição premeditada!
Depois de três dias de desespero e angústia, período em que nem conseguia dormir, chegou à conclusão que teria de ir a São Paulo, para que seu cérebro pudesse descansar e sua consciência acalmar.
Teria que ir de surpresa, mesmo que sua consciência o acusasse e lhe debitasse uma grande dose de culpa. Amava sua esposa, verdadeiramente, e sentia que estava sendo quebrada a confiança que sempre lhe depositara. Seria necessário restabelecer essa confiança, pela comprovação de sua honestidade!
Cinco dias depois que a esposa havia viajado para São Paulo e três dias que constatou que o outro indivíduo tomou o mesmo caminho, ele também foi.
Conseguiu umas roupas velhas e sobre elas colocou um avental de feirante; de uma velha peruca de mulher, cortando as pontas, preparou o seu disfarce, que lhe dava uma nova personalidade, depois que trocou os seus óculos por um de lentes escuras. Viajou em um automóvel emprestado de um amigo. Postando-se nas imediações do apartamento da filha, aguardou os acontecimentos.
Pelas nove horas da manhã o seu neto atravessou a rua e passou bem próximo a ele, para ir à padaria e nem imaginou que o avô se escondesse naquele disfarce.
Quando eram duas horas da tarde viu saírem sua filha com o marido e os filhos, mas sua esposa não os acompanhava. Sentiu até uma ponta de remorso pelo que estava fazendo, imaginando que Júlia nem tinha disposição da acompanhar os parentes em algum passeio.
Para tirar a dúvida se ela estaria no apartamento, foi a um orelhão e discou o numero do telefone do apartamento de sua filha, nada falando (queria apenas ter a certeza se a esposa havia, de fato ficado em casa”.
- Pronto . . .Quem está falando? Alo! . . .Desligou.
Quase no mesmo momento viu um volkswagem vermelho se aproximar parando no meio fio, bem próximo ao orelhão, e o “suspeito” desceu do carro e dirigiu-se ao orelhão grudado ao que Juca estava; este, mesmo estando disfarçado, meteu a cabeça para dentro fingindo que ainda estava telefonando.
O “galã” discou um numero e atenderam do outro lado . . .- Júlia, eu já estou aqui, você pode descer . . .Não, não fui eu que liguei . . .deve ser alguma ligação errada . . .Estou esperando, não demore.
Tomou o carro e foi rodando devagar. Juca, imediatamente se colocou dentro do automóvel e aguardou.
Júlia saiu do prédio e foi andando até o final do quarteirão, virou a esquina no mesmo momento que o volks vermelho também virou; tomou o carro e seguiram.
Rodaram por algum tempo até chegarem a um motel com a denominação de “Centenário” e entraram. Juca esperou por alguns instantes e também entrou. Na portaria avisou que a sua companheira deveria chegar logo procurando pelo “Escudeiro”. Lá dentro, depois de colocar o seu carro no Box, não entrou no quarto e procurou o box onde se encontrava o volks vermelho; subiu por uma escada que levava diretamente ao quarto. Experimentou a porta e esta cedeu; havia um corredor de onde saia uma porta que era o banheiro; no final do corredor para o quarto só havia uma cortina grossa que dividia os dois ambientes. Juca encostou-se na parede, encoberto pela cortina e abriu um vãozinho, lentamente, com medo que pudessem ouvir as batidas do seu coração que estava a ponto de explodir o seu peito.
O amante de Júlia já estava só de cuecas e desnudava-a, suavemente, abraçando-a, beijando-a e ela correspondendo, com ardor, trocando juras de amor. O processo foi demorado até que Júlia ficou completamente despida, coisa que nunca admitia fazer com o marido! E se amaram loucamente, apaixonadamente em uma entrega total!
O coração de Juca saltava-lhe pela boca; por pouco não desfaleceu, sentindo até um gosto de sangue em sua boca, sua cabeça rodava em velocidade, sentia náuseas! Mas mantinha-se grudado no lugar. Ao mesmo tempo sentia-se frustrado por não ter podido proporcionar, nunca, àquela mulher, que ele amava do mais fundo do seu coração, fora a única mulher da sua vida, algo a prendesse a si havendo um amor que os unisse verdadeiramente e nunca viesse a acontecer aquilo que estava presenciando, com sua mulher desonrando-o, e ele paralisado, sem nada poder fazer! A sua vontade era matar aquele homem que lhe roubava a vida, a felicidade e plantava em seu peito aquela frustração!
Pairando no ar, com um espírito que tivesse deixado o corpo, ele afastou-se, silenciosamente como havia entrado. Automaticamente pegou o carro e partiu sem dar atenção ao porteiro que queria explicações do que havia ocorrido que o transtornara tanto.
O seu primeiro pensamento foi acabar com tudo, jogando o carro contra qualquer coisa! A sua vida não existia mais, ele era um molambo, um monte de carne morta. Até a sua alma já estava morta!
Dirigiu como um autômato até chegar em sua casa no interior.
Sozinho, em casa, desejava raciocinar tudo aquilo! Isso não era o fim do mundo! Mas era! Nunca mais poderia olhar para os seus filhos, nuca mais levantaria a cabeça, não poderia sorrir jamais, era uma casca vazia, sem utilidade!
Sentindo que sua mente estava completamente perturbada; que o seu coração não resistiria tudo aquilo, sentou-se em sua mesa de trabalho e tentou escrever algo, que talvez fosse a sua despedida, não sabia! E ela saiu pungente, dolorida, como o extravasar de sua própria vida: O punhal que, insensível / Fizestes penetrar em minhas costas/ Alcançou a sua calculada intenção/ Pois não feriu somente a carne/ Foi mais fundo para atingir a alma/ No entanto o corpo foi que morreu/ Embora conservasse a vida/ E o gesto perverso conseguiu/ Que o sangue que fruiu/ Se transformasse em tristeza/ Tão profunda frustração/ Jamais alguém saberá a dor!/ Sonhos, esperanças de um puro amor/ Rolam no lodo, cujo odor/ Afugenta a paz do coração/ Que fiz eu que te adoro tanto/ Para que partisses a procura d1outro leito/ Manchando com a desonra/ O nosso, no qual vivemos/ Momentos de esplendor?/ Sou, agora, um morto vivo/ Ser acabado, sem destino/ Um monstro da desilusão!/ Mas mesmo a derramar tristeza/ Gostaria de contar com a certeza/ Que tu, mesmo longe de mim/ Possas alcançar a felicidade que sonhava/ E que essa conquistada liberdade/ Não a leva a repetir deslealdades/ Para acabar na promiscuidade/ Mas, se tal acontecer/ E fores jogada ao desamparo/ Volta a mim sem receio/ Porque do lago de tristezas/ Em que me deixastes,/ Ainda construirei o teu futuro/ Mas se já for tarde/ E não mais me encontrares/ Estarei algures a te esperar/ Com as jóias do perdão/ E as palmas da saudade!
Juca terminou de escrever com os olhos embaçados pelas lagrimas que não conseguiam sufocar a sua dor e a sua desventura.
Vários dias se passaram, em que Júlia, por mais que tentasse não conseguiu que atendessem o telefone. Pediu a parentes que fossem até a sua casa para verificarem o que estava acontecendo mas eles unicamente constataram haver um radio ligado, e por mais que tentassem ninguém atendia.
Júlia voltou imediatamente e como não possuísse as chaves mandou que arrombassem a porta. Encontraram Juca, sentado em uma poltrona, com marcas de sangue escorrendo dos olhos e pelo rosto. Ele havia morrido de tristeza!
Júlia, que tinha problemas nervosos, não resistiu e enlouqueceu, tendo de ser internada, encerrando a sua procura por novas emoções.
Essa história, pungente, ficou sem uma explicação plausível naquela cidade. Era para todos um mistério o porque tudo havia acontecido. Para nós que a ouvimos de uma pessoa que possuindo uma acuidade especial, a observou, serve de uma advertência para que nunca caiamos na tentação de procurar coisas proibidas que possam ferir outras pessoas; pessoas que muitas vezes se amam, mas não sabem se respeitar!


D E S T I N O S T R A Ç A D O S


Vamos começar a rebuscar. em nossas memórias, os acontecimentos que, nos parece, influenciaram e determinaram a reunião de pessoas, que numa espécie de missão, estão determinadas para desenvolverem um projeto de grande alcance social, intelectual e espiritual. Os próprios fatos que iremos relatar, por si só, revelarão que não foram acontecimentos comuns os que se verificaram com esse grupo de pessoas. Assim sendo, cremos que algo de imponderável e misterioso traçou o caminho a ser seguido, até a consumação dos objetivos finais, que neste momento, apenas ainda podemos vislumbrar.
A história começa por um acontecimento comum: Uma festa de Natal:
Estamos no dia 24 de Dezembro de 1.973; são 23,40 horas, Waldir, participa de uma reunião de família! Relutou muito para decidir-se a participar desse evento; tendo passado por acontecimentos penosos naquele ano e metade do anterior, não se sentia disposto a participar de festividades. Ainda mais que a reunião realizava-se em casa de sua cunhada que havia perdido o marido (irmão de Waldir) a poucos meses. Waldir imaginava que o ambiente seria um tanto constrangedor! Quando ali chegou, ficou admirado, por ninguém demonstrar lembrar-se dos acontecimentos que haviam se desenrolado naquele ano; inclusive o falecimento do chefe da casa. Tentou racionalizar! O seu íntimo, porém, não conseguia aceitar aquilo, que para ele, afigurava-se, até, como um desrespeito. Tentou participar, pelo menos exteriormente, da alegria geral, tentando entender uma situação que não sentia-se autorizado a emitir juízo; interiormente sentia-se como uma pessoa sozinha em meio a uma multidão! Poucos minutos faltavam para a comemoração do maior evento de todos os tempos para a humanidade e Waldir pensava se realmente teria valido à pena o sangue derramado na cruz, pelo Salvador Jesus, para a salvação dessa humanidade hipócrita, insensível, que enquanto desejava felicidades a todos, na verdade pensava cada um, em si. Por isso é que se sentia como se estivesse sozinho em meio à multidão, de pessoas que o cercava. Aquelas pessoas queridas, é verdade, mas que não pensavam como ele. Imaginava como seria uma família formada, não pela força do sangue, e sim por espíritos que se entendessem e se amassem de verdade, comungando dos mesmos ideais. Ficou imaginando se encontraria aqueles que de fato faziam parte de sua vida espiritual! Talvez se encontrassem envolvidos pelos corpos dessas pessoas a quem amava, porém, incapazes de transporem a matéria que os envolvia para fazerem aflorar a sua verdadeira essência. Naquele momento, o seu espírito, no auge de sua sensibilidade, bradava interiormente, desejando ser ouvido por aquelas almas irmãs, onde quer que se encontrassem! “Onde quer que estejam, recebam, neste Natal, esta mensagem de amor e paz de um irmão desterrado, que tanto necessita de amor, de ajuda!
”Se conseguirem ouvir a voz deste solitário, saindo da multidão, venham ao meu encontro para formarmos a “nossa família”!
Quase à mesma hora, do mesmo dia, vamos encontrar o Padre Mariano, preparando-se para ajudar o Papa a rezar a missa de Natal, na basílica de São Pedro. Ele era um padre brasileiro que já exercia o sacerdócio a doze anos e naquele momento fazia parte de um grande contingente de religiosos, de todo o mundo, que visitava Roma.
A ida de Padre Mariano a Roma revestia-se, para ele, de uma importância muito grande. Exercendo o sacerdócio em uma pequena paróquia do interior do Estado de São Paulo, apaixonara-se por uma paroquiana que também o amava e estaria resolvida a unir o seu destino ao dele, se lhe fosse concedida, pelo Papa, as dispensas ao voto. O processo já corria a algum tempo e agora Padre Mariano havia sido chamado a Roma para uma entrevista pessoal com Sua Santidade. Aquele convite para participar da missa de Natal, concerebrando com o Papa, parecia, até, uma prova definitiva de sua vocação. Padre Mariano estava com a sensibilidade à flor da pele; um conflito tomava conta de seu íntimo, numa digladiação entre a vocação religiosa e a vocação que sentia de participar de uma família e, talvez, vir a realizar algo de tanta importância como se continuasse exercendo o sacerdócio.
Padre Mariano preparava-se, em silêncio, rodeado pelos demais colegas que, também, participariam da solenidade. Faltavam poucos minutos para a meia noite, quando sentiu um torpor estranho e, naquela semi-inconsciencia pareceu-lhe ter uma visão de uma igreja que aparecia ao fundo de uma fileira de Palmeiras Imperiais; lembrou-se que já havia visto aquela igreja em uma cidade próxima de sua cidade natal. Imediatamente raciocinou que aquilo deveria ser um sinal que deveria influir em sua decisão.
Perguntava-se: Será que deverei continuar no sacerdócio e ir para essa cidade?
Mas, juntamente com aquela visão passou a ouvir uma voz que parecia vir de dentro de si mesmo, sendo, porém, desconhecida para ele. E a voz dizia: Tenho outra missão para você; deixa o hábito e assuma o seu destino!
Padre Mariano passou a sentir uma convicção do que deveria ser o seu destino daquele momento em diante. Procurou o seu superior e pediu dispensa do serviço; tomara a sua decisão e não participaria daquela cerimônia!
Uma semana depois era chamado à presença do Santo Padre e depois de ser ouvido era dispensado dos seus votos. Voltou imediatamente para o Brasil e casou-se, indo fixar residência em Mococa.
Waldir continuou a pesquisar a sua memória, para encontrar outros fatos que poderiam estar ligados aos acontecimentos que se interligavam. Folheou os seus livros de anotações; uma espécie de diário mas que eram registrados somente alguns acontecimentos mais importantes de sua vida. Com a data de 08 de Novembro de 1.974, encontrou um registro e lembrou-se que , também, tratava-se de um estranho acontecimento, por tratar-se de uma espécie de visão. Ali estava escrito: “Teresa: Uma criança apoiada nos cotovelos, olhando-me fixamente, desejando transmitir tudo que lhe ia à alma”. Essa a visão que tive
ontem! Interessante como nos ocorrem essa visões e podemos perceber a presença de uma alma que nos é familiar! Quando a vi tive a certeza de conhecê-la a longos anos! Tão longos que não consegui determinar quando nem em que circunstancias; necessitaria que me esforçasse demasiadamente e me concentrasse dentro de mim mesmo, para alcançar aquele passado longínquo. Não é necessário, porém, o importante é a convicção de que participamos de algum evento; um acontecimento importante para nós; talvez alguma missão que haja ficado incompleta e tenha de ser concluída! Nada físico e sim de muito maior profundidade! Nada acontece em vão e esse “encontro” e a convicção que tenho, sem mesmo poder testar; era algo misterioso que deverá nos unir para que possamos realizar aquilo que é um ponto comum entre nós. Pensamentos afins com a força magnética que deverá levar um grupo a objetivos definidos. E nada obstará a caminhada para a purificação. Os objetivos são sadios e 9/30/08 (?) Deus protegerá a trajetória. Deverá ser assim, Uma comunidade que irá transformar as personalidades individuais em um só pensamento, uma só voz. Uma força mental capaz de sobrepujar o tempo, fazendo-o parar. Será o Shangrilá ou o Edem? Esperemos o tempo que teremos de vencer, com a ajuda do Supremo Arquiteto, que nos dará a força positiva. A realização será no presente estágio ou em uma vida futura?”
Os prezados leitores estão percebendo que, de fato, os acontecimentos são surpreendentes, ainda mais que eles caminham para a concretização de algo mais surpreendente ainda. A nossa percepção têm captado revelações que posteriormente têm-se realizado; por isso tenho essa certeza e desejo registrar, para que a posteridade possa analisar esses acontecimentos. Talvez alguma coisa me escape; irei revolvendo minha memória e desnudando o meu pensamento. No final você poderá tirar as suas conclusões. Muita coisa deverá estar nas entrelinhas e deva ser analisada para se descobrir o significado. Você poderá ser a pessoa que irá ligar os elos para decifrar qual será o verdadeiro encaminhamento que nos levará, todos, ao objetivo que já está definido, mas que não é, do nosso conhecimento.
Isto é ficção ou realidade? As duas fundem-se, e fico em dúvida sobre o que é real e o que é fantasia, e não sei se essa fantasia é uma realidade no sentido de revelação de tudo aquilo que virá acontecer, em nossas vidas. Por favor! Caminhe comigo porque a sua participação é muito importante. Não desista! Se isso acontecer talvez rompa-se uma interligação importante e os acontecimentos não possam formar o conjunto necessário e tudo ficará impedido de ter o encaminhamento preciso. A sua responsabilidade é muito grande, por ser parte do projeto elaborado e que terá de ser concluído. Se houver interrupção teremos que esperar, talvez séculos para que os acontecimentos criem os detalhes necessários para reiniciarmos a caminhada. Analise os fatos e terá a certeza que deverá continuar participando. Ajude-me a ligar esses fatos, você já não é mais um leitor e sim participante desta história! Se algo me passar despercebido me chame a atenção para que juntos vamos juntando os diversos pedaços que encontram-se espalhados e fazem parte de diversas vidas. Procure ligar esses acontecimentos à sua vida, pois talvez aí estejam os elos que faltam para a elucidação do enigma.
Acredito que o enigma se aclarará quando ligarmos as coisas que foram registradas por Waldir com o que ocorreu com Pe. Mariano e com aquilo que tem acontecido na vida de cada um de nós que estamos sendo reunidos em Mococa. Outras pessoas, também, estão participando desse encontro e as suas vidas deverão ser pesquisadas. Ligando essas vidas poderemos saber qual é o nosso objetivo.
Cada um de nós que fomos atraídos para um mesmo lugar, temos vários fatos enterrados em nossos subconscientes que precisarão ser exteriorizados para completarem o quebra-cabeças. Façamos uma pesquisa interior e nos encontremos na próxima encruzilhada, para trocarmos as nossas experiências.
A inspiração, muitas vezes nos vem através da poesia; enveredamos por esse caminho! Se você já fez poesias analise o seu trabalho para perceber o que se apresenta nas entrelinhas que poderá conter revelações extraordinárias. Se ainda não fez tente; aí poderá estar situado o canal de comunicação com o centro do universo.
Waldir fez isso e as suas poesias, de fato, parecem conter algo mais do que aquilo que foi dito, percebam: Partir para uma vida nova/Deixar as mágoas, amarguras/ Fazer o que der vontade/ Procurar mudar/Buscar algo realizar/Tantas lutas para até aqui chegar/Rosas, espinhos, tivemos que pisar/ Engolir mágoas, mergulhar na angústia/Conhecer o negro e assim mesmo amar/Amar para não desesperar/Vendo a frustração a se instalar/./ Quero passar a outro ciclo/Novos eventos, concretos, criar/Viver a vida sem divinizar/Me misturar, com a massa fundir/ Será que a vida me dará nova chance/De construir a partir de estilhaços/Um novo horizonte espargido de paz/Ver o sol brilhar/Iluminando outra vez o amor?
Esta outra que Waldir guardava, esquecida, a muitos anos, também parece relacionar-se com um encontro em outra dimensão, vejam: "'Reencontramos na eternidade/ Relembramos o passado com saudade/ Trocamos idéias sobre nossas missões/ Despedimo-nos outra vez em ansiedade/ Era mister o sofrimento/ Pois acima de nossos sentimentos/ Urgia o tempo para que em um só pensamento/ Partíssemos para a realização de novo evento/ Triste era o que se nos impunha/ Embora fundidos em um mesmo ser/ Solidificados por um mesmo pensar/ Deveríamos seguir por caminhos diferentes/ Para que um ao outro nos encorajássemos/ Se nos permitiu um breve encontro/ Retemperamos nossas almas irmãs/ Para em seguida dizermos novamente adeus/ Quão distante hoje nos encontramos/Duas almas gêmeas que se amam tanto/ Você aí cuidando de uma família etérea/ Eu aqui, em igual mister, te esperando." Preciso que ainda tomemos conhecimento de mais um poesia de Waldir:
"Dei um grito tremendo/ Na ânsia de ser ouvido/ Através do eco que ricocheteou/ Pelos labirintos do tempo/ Para alcançar o espaço preciso/ Onde reunia-se a assembléia/ Daqueles que deveriam/ Reunir-se aqui/ E aqueles que haviam sido designados/ Começaram a caminhada/ Que se prestará/ À preparação/ Das qualificações necessárias/ Ao cumprimento de uma missão/ Profetizada por aqueles/ À quem foi dada a visão/ A quanto tempo/ Iniciou-se essa caminhada!/ Colhendo a cada um de nós/ E colocando-nos/ Nesta jornada espetacular/ Que nos levará/ À conquista do universo!"
João é outro de nossos companheiros que veio de longe para se integrar ao grupo.
Segundo filho de um casamento que não deu certo. A sua concepção não foi muito desejada, visto que seus pais não se entendiam satisfatoriamente. Já que veio não havia outro jeito se não ficar com ele! Essa, a idéia que ele fazia do seu nascimento, corroborada por uma brincadeira que sempre o pai fazia, dizendo, ser ele retirado de um orfanato. Sentia-se um enjeitado e de fato se confirmava a sua observação em razão de sempre receber as sobras de seu irmão. Isso tudo até que acabou sendo positivo; o colocou de frente para o mundo, aprendendo a viver sozinho, enquanto seu irmão, que era favorecido, continuava dependendo da família, até depois de adulto. João tinha convicção que estava sozinho no mundo e teria de abrir caminho por seus próprios esforços; assim como conquistando espaços que viriam a lhe facilitar a sobrevivência. Quando tinha dez anos o seu pai faleceu. Não sentiu muito. Em primeiro lugar, por não compreender ainda a morte que era a primeira vez que se apresentava aos seus olhos; mas ocorreu algo importante: Seu pai havia sido internado, para tratamento, em uma cidade distante de onde moravam e a família só ficaram sabendo, do falecimento, muitos dias depois, quando, inclusive, já havia sido sepultado sem o seu conhecimento. E ficou por isso mesmo; quando acontece uma coisa dessas com alguém pobre, é considerado normal. No dia do falecimento do pai, que foi no dia 6 de janeiro de 1.939, e ficou marcado bem por ser aniversário de sua avó materna, João foi acometido de uma tristeza ímpar, parecia que pressentia a morte do pai, a qual só tomaria conhecimento uma semana após. Isso o convenceu que deveria haver um elo muito forte entre ele e o pai, contribuindo para que ele limpasse do seu subconsciente, pelo menos parcialmente, aquele complexo de abandono que o acompanhava, favorecendo o se desenvolvimento espiritual e intelectual.
A vida continuou; a mãe for trabalhar para suprir às necessidades da casa, visto que o pai não deixara nenhuma pensão.; João e o irmão terminaram o curso primário (correspondente à 4ª série do primeiro grau) e não puderam mais estudar. O bairro onde moravam em São Paulo, era distante do centro e ali não havia escola além do “Grupos Escolar”.
Com doze anos, recém saído do “Grupo Escolar”, foi trabalhar; Primeiro fazendo limpeza em um escritório de despachante; depois fazendo entregas em uma casa de móveis; o terceiro emprego foi em uma oficina mecânica de onde passou para entregador de produtos alimentícios. Até que entrou em uma firma de porte, como mensageiro, e fez carreira até se aposentar como chefe da sessão onde iniciara. Casou-se ainda jovem, constituiu família e procurou orientar os filhos da melhor maneira que lhe foi possível , em decorrência de um relacionamento difícil com a esposa. Conseguiu vencer os obstáculos e viram os filhos encaminhados e os netos nascendo.
Depois de aposentado resolveu transferir sua residência para Mococa (antigo sonho) sendo difícil a sua adaptação tendo voltado para São Paulo quatro vezes no período de 1.977 a1.986. Sentia que algo misterioso o atraia para Mococa o que o fez refletir sobre a necessidade de se instalar definitivamente na cidade o que ocorreu em 1.987. Pareceu, até, que quando tomou essa firme resolução, sua vida passou a transcorrer com melhores perspectivas.
Outra coisa ocorreu na vida de João que passou a influenciar as suas decisões. Alguém lhe disse em 1.972: “Você tem escrito tanta coisa e acaba jogando fora. Acho que deveria guardar. Em 1.975, quando se aposentou outra pessoa lhe disse: Agora que você aposentou-se vai ter tempo, poderá dedicar-se a coisas que o agradem; ler; e, talvez, escrever um livro.” Meditando sobre isso juntou vários textos de suas anotações e formou um livro que, pensava, poderia ser importante para os seus filhos” se os lessem, depois da sua morte”.
Resolveu, depois de algum tempo, que outros pessoas poderiam conhecer o que havia escrito e colocou o livro na biblioteca para receber opiniões. Ficou ali durante seis meses. Logo após ter retirado o seu opúsculo, a biblioteca pegou fogo, consumindo com um acervo de mais de dezessete mil livros (alguns raros).
João acabou se integrando, também, ao grupo que está se formando em Mococa.
Outras pessoas que chegaram para integrarem-se ao grupo foram: Gervásio, vindo de Minas Gerais; Alcides, de uma cidade próxima a Ribeirão Preto; Cordélia de Itaboraí, RJ; Vrisni, que pertenceu a uma seita hindu; Verília, da Bahia; Vicente, vindo do Amazonas e que desenvolveu teorias sensacionais sobre a Atlântida e outras sobre a imantação do espaço e aplicação geométrica na solução de problemas. Cada um podendo contar histórias fantásticas de como foram atraídos para Mococa. Como o caso de Isabel, que havia me esquecido, que, nunca ouvindo falar da cidade, residindo na cidade de Santos e de lá desejando sair, pegou um mapa do Estado de São Paulo, fechou os olhos e colocou o dedo em um ponto qualquer. Quando abriu os olhos o seu dedo apontava para a cidade de Mococa. Não teve dúvidas e para aqui veio e logo se integrou ao grupo.
O caso de Cordélia é surpreendente: Vindo à cidade por ser amiga de Alcides, foi levada a visitar Waldir. Conversaram por algum tempo e ao despedir-se pediu a Waldir para que anotasse, em um pedaço de papel, o seu endereço, para que ela lhe escrevesse. Isso foi feito e uma semana depois chegava uma carta de Cordélia, contando a vida de Waldir. Ela é uma pessoa Incrível. Além de psicógrafa é psicóloga; dedica-se a costurar para crianças desamparadas e não esconde o fato de ter sido prostituta. Ela escreveria para o Alcides o seguinte: . . .Tenho fortes razões para crer que os poderes do alto vêm preparando Mococa para que seja revestida de uma aura cósmica que propiciará a ocorrência de eventos destinados a beneficiar a humanidade. . . Pessoas de vários lugares deverão se deslocar para Mococa a fim de participar desses eventos.”
Alguns dias depois que Alcides me mostrou essa carta ele me telefonaria dizendo ter recebido uma carta da irmã de Cordélia, avisando do seu falecimento. Fiquei perplexo, julgando que , talvez a carta que ela havia me enviado seria um de seus últimos atos.
Como Waldir também havia escrito convidando-a para a reunião do grupo, recebeu um telegrama, também da irmã de Cordélia avisando do seu falecimento.
Quinze dias depois, à noite, Waldir atendeu ao telefone e reconheceu a voz da própria, que disse ter havido um lamentável engano e que depois explicaria. Está integrada ao grupo mas nunca esclareceu o ocorrido!
Assim, estamos aqui, reunidos em Mococa, os personagens que mencionei além de outros que igualmente vieram para cá de maneira inusitada e que possuem histórias fantásticas para contar, estando, todos, empenhados na formação de uma comunidade que em princípio estará cuidando de produção literária, procurando, na ficção, os meandros das revelações transcendentais. Sentimos, firme e verdadeiramente, que existe uma força sobrenatural que influi em nossa concentração nesta cidade, para a realização de algo surpreendente que por enquanto ainda não possuímos plena consciência. Continuamos a caminhar porque a estrada que trilhamos é muito longa. Não deveremos nos impacientarmos e sim aguardarmos os acontecimentos e a participação de outros companheiros que deverão juntar-se nessa caminhada. A concretização de nossos ideais se completará, com certeza, mas terá o seu tempo certo.; mesmo que tenhamos de entrar e sair muitas vezes, em cada etapa estaremos contribuído para que a história se complete: “Porque estamos caminhando em um tempo que se chama eternidade.”
Aí está, meu caro leitor essa história que fica interrompida, dependendo, também, de você! Você, agora, é um personagem incluído e enleado na trama e jamais poderá sair, se não quiser correr o risco de estar atrapalhando e desviando acontecimentos que foram determinados por uma força muito maior do que nós, à qual e contra a qual não podemos nos insurgir. Você, que leu esta história jamais poderá desligar-se dos desígnios que o envolveram; seja bem-vindo companheiro!
Sim! Daqui por diante seremos companheiros inseparáveis porque juntos estaremos escrevendo o restante da história; seremos escritores e personagens ao mesmo tempo em que no entrelaçaremos com os destinos de todos aqueles nossos irmãos que ainda farão parte de nossa comunidade. Não tente fugir, o seu destino está traçado e o melhor que terá que fazer será entregar-se docilmente ao Espírito Absoluto que nos dirigirá até a consumação de nosso desígnio!
E a história continua a se desenvolver . . .



F R E I X A X Á O P R E F E I T O I M P E R F E I T O

José Freire Vaz da Paz, mais conhecido com Frei Xaxá, era um cidadão pacato, enquanto não o chamassem por esse nome. Aí ele virava bicho!
E a história (se verdadeira ou não, sei lá) nasceu por cochichos espalhados, que ele não era filho legítimo do Seo Antônio da Paz e de Da. Mairinha Freire Vaz da Paz; Diziam (eles lá que sabem) que Frei Xaxá era fruto espúrio de um parente de Da. Mairinha (que era padre) com a filha de um fazendeiro de Catolé, pequena cidade perdida no sertão das Minas
Gerais.
O pai da moça, quando soube que a filha estava pejada, jurou matar esta e o safado que a infelicitara. O jeito foi fugir levando a moça que estava apaixonada pelo padre. Mas como resolver o problema? Padre Xavier não desejava largar a batina que lhe rendia boas aventuras, e muito menos assumir responsabilidade de família.
A única alternativa foi levar a moça para a cidade de Moicanos que divisava com o sul de Minas, no outro extremo, e ali deixa-la com sua prima, Da. Mariinha, que por sinal era uma verdadeira santa, sempre disposta a ajudar quem precisasse. Padre Xavier mesmo levou-a e assim que se desencumbiu do traste, partiu para assumir outra paróquia que ninguém ficou sabendo onde; nunca mais deu noticias.
Quando chegou a hora da delivrance, a mãe do menino, moça franzina, não agüentou e desenlace, partindo desta para melhor. Ficou o orfãozinho desamparado. Da. Mairinha e Seo Antônio da Paz o registraram como seu fosse e o criaram como verdadeiro filho.
O menino, inteligente, (sabido como o pai) cresceu, formou-se até o colegial e após alguns anos fora na cidade, voltou “Doutor”!
O povo dizia: Doutor nada! Esse malandro só fazia levar o seo da Paz no bico; recebia a mesada e gastava tudo em bebidas e mulheres.
Foi aí que surgiu a história, como uma espécie de desafronto aos pais de Freire da
Paz. Desenterraram esses acontecimentos que nem todos acreditavam, mas , também não deixavam de achar verdadeiros. Bem poderia ser coisa até inventada, sabe como é o povo! Os moradores mais antigos não confirmavam (por respeito ao Seo da Paz, todos diziam!).
O certo é que, boato aqui, cresce ali, repete acolá, e já todos confirmavam que o rapaz era filho de um tal Padre Xavier. Daí foi um pulo para criarem a pecha: De Freire para Frei e do sobrenome do suposto pai, Xavier, para Xaxá : Frei Xaxá - Não é sempre que se consegue o porque dos apelidos, mas ali estava claro.
No começo foi indo às escondidas, pelas costas; a coisa foi crescendo e dali a pouco tempo os moleques começavam a gritar, escondidos nas esquinas: Frei Xaxá! Frei Xaxá!
Freire da Paz quase morreu de indignação; queria matar todo o mundo. Quanto mais ele se contrariava mais espalhava-se a coisa. Até que os próprios amigos começaram a gozá-lo:
Como vai Frei Xaxá?
O rapaz ficava vermelho que mais parecia uma pimenta; só faltava explodir!
Às vezes passava de automóvel e alguém gritava: Frei Xaxá!
Ele parava o carro e enfrentava o grupo que ali estivesse.
Frei Xaxá é a P que os P.
Ninguém falava nada porque o rapaz era forte, mais de um metro e oitenta, e com a raiva que estava era capaz de tudo
Alguns amigos apaziguavam, mas, às vezes, também, na gozação:
Calma Frei Xaxá!
Frei Xaxá é a P. da tua mãe.
Aí é que todo mundo gritava em coro
O que é isso Frei Xaxá?
Não teve jeito, o apelido pegou; morreu José Freire Vaz da Paz e nasceu Frei Xaxá.
Na verdade ele era um camaradão de quem todo mundo gostava e acabou não mais se importando com o apelido e continuou a cultivar as amizades. Algumas boas, outras apenas interesseiras.
Frei Xaxá tornou-se uma figura popular; verdadeiro folclore local. Sua profissão verdadeira ninguém sabia; só que era “Doutor”. Também, filho de fazendeiro lá precisa de ter profissão? É só ajudar a gastar o dinheiro que o pai amealhou!
No vai e trás dos acontecimentos da cidade, inventaram, os amigos, pregarem uma peça a Frei Xaxá.
Você é a pessoa mais popular da cidade e é quem tem de ser o nosso prefeito.
Isso, dito no “Bar do Fracote”, reunida a flor da boêmia vespertina e de outros horários, que banhavam-se na cervejada (paga pelo futuro Prefeito), foi um compromisso político. Na onda da “lourinha” embarcaram na idéia-gozação e o barco navegou tão depressa que no dia seguinte toda a cidade já proclamava o apoio a Frei Xaxá. Não houve modo de voltar atrás e acabaram por fundar o diretório de um partido ao qual pertencia o Governador do Estado, que compareceu para prestigiar.
A campanha foi dura, com vaias e xingações. Eram, também, candidatos o padre local, o dono da farmácia e um sindicalista.
O pessoal comentava: Só faltava Frei Xaxá ganhar! Todos sabiam que o rapaz não estava preparado para assumir essa responsabilidade.
Não deu outra! Frei Xaxá ganhou mesmo! Vitória apertada, mas lá estava ele em primeiro lugar: Frei Xaxá, pelo partido apoiado pelo Governador do Estado, 930) votos; Padre Davi, 810 votos; Chico da Farmácia, que já fora Prefeito anteriormente, 403 votos; e na rabeira, o sindicalista Zé Foguista, com 32 votos.
E agora Xaxá?
Ele, de fato, não estava preparado; e nem se havia preocupado, por pensar que não seria eleito. Agora não sabia o que fazer para governar a cidade. A única maneira seria socorrer-se com os companheiros de farras. Improvisou: Para a secretaria de Relações Públicas foi o Juvenal Cebola, que além de comerciante (das ditas) era locutor do serviço de alto-falantes local; para Secretário de Educação e Cultura mandou vir, da Capital, um seu tio, irmão de Da. Mairinha; fora jornalista e nos meios intelectuais paulistano (e outros nem tanto intelectuais) era conhecido por “Florzinha; para a secretaria de Construções Comunitárias foi nomeada a sua mulher, Da. Esolda (um esclarecimento, nem tinha falado que Frei Xaxá era casado, mas era sim. casou-se até de maneira meio estranha; avançou o sinal e a moça, sabida, disse que estava prenhe e ele, não querendo correr o mesmo risco do “Padre”, casou; só que a criança nunca nasceu, foi um logro.) Para o cargo de Secretário de Esportes e Afins ninguém melhor do que o técnico do time local, Gustavo Pipoqueiro (ninguém fazia pipoca melhor do que ele, porém ficou estabelecida uma condição, que não deixasse de estourar o milho. Para os cargos ditos “técnicos” mesmo, só restou recorrer à família, nomeando seus irmãos que eram “doutores” como ele. Para as finanças foi nomeado o gerente da Casa Bancária, que, embora não sendo da cidade era íntimo (ele nem tanto) do Prefeito; este, freqüentemente fazia companhia a Da. Cidinha, enquanto o marido precisava fazer serão.
Assim ficaram preenchidos quase todos os cargos; só faltando o de coordenador político do Prefeito. Esse Frei Xaxá queria que fosse um impacto na cidade, e aí foi que residiu a sua frustração. Desejava um nome que fosse bem conhecido e escolheu um que era freqüentemente citado por todos os políticos, na televisão, no radio, nos jornais; por mais que se esforçasse não conseguiu localizar o Sr. Nepotismo, nem para apresentar o convite.
O que poderia acontecer com uma cidade com tal equipe de governo para auxiliar Frei Xaxá? Ele mesmo, quase nem ia à Prefeitura; continuou a exercer a profissão de “doutor”, que lhe caia tão bem (agora Doutor Prefeito). As reuniões eram feitas na “Churrascaria” do Fracote (agora promovida) onde se gastava a maior parte do orçamento municipal.
Foi um desastre! Juntou-se à má administração, e por isso mesmo, uma campanha de descredito, iniciada pela oposição, que manobrando a Câmara Municipal, acabou por conseguir o impedimento do Prefeito, a bem do serviço público. O vice, Seo Ranulfo Sapateiro, renunciou, em solidariedade ao Prefeito, e, quem assumiu foi o Presidente da Câmara Seo Joaquim Rosedá; este, até que era “amigo” do Prefeito e muitas vezes tentou aconselhá-lo para que afastasse-se dos aventureiros. Mas agora já era tarde! Frei Xaxá colheu o que plantou!
Esse insucesso custou caro a Xaxá; Da. Esolda, desgostosa, pediu o divórcio; os “amigos” afastaram-se e o outrora boa-vida curtiu meses de solidão e desilusão, até que um dia desapareceu da cidade. Não houve maneira de descobrir-se o que tinha sido feito de Frei Xaxá. Muitos diziam que estava internado, pois ultimamente “parece” que andou usando drogas.
Vários anos se passaram; a cidade já havia, praticamente, esquecido de Frei Xaxá.
Todos preparavam-se para participar das “Missões” que seriam realizadas na cidade. Entre os frades apareceu um que parecia-se muito com Frei Xaxá( só que usava longas barbas já esbranquiçadas) E de fato era ele, cumpria o vaticínio de sua vida. Não tendo vocação para a política e nem para a família, encontrou o seu verdadeiro caminho, passando a viver uma vida de humildade e de privações, só pensando em auxiliar aos seus semelhantes, dando-lhes amor e compreensão. E como prova de submissão e humildade adotou aquele mesmo nome que outrora fora tão odiado, mas depois recebido com carinho. Como um novo homem, já olhava as pessoas amando-as e ajudando-as, podendo sempre dizer, por mais falhas que fossem: Senhor, perdoa-lhes porque eles não sabem o que fazem!
Verdadeiras cenas emocionais ocorreram naquele ano, na cidade, quando pecadores empedernidos ajoelharam-se frente a Frei Xaxá e derramaram as suas lagrimas de arrependimento. O episódio mais comovente foi quando dona Esolda, que transformara-se em uma cortesã, depois de deixar o marido, agora, doente e alquebrada, tentou beijar os pés do “Santo”.
Os médicos, todos fazendeiros, que tiravam o pão da boca de pobres coitados, se redimiram e prometeram tratar de graça os doentes necessitados. Os comerciantes desonestos, levaram as suas dádivas para o asilo São Vicente de Paula, que abrigava os velhinhos da cidade! Até os jornais comentaram aquele milagre de transformação. Parecia que Deus havia descido na cidade e transformado todos em verdadeiros irmãos.
Grande Frei Xaxá!Meu grande e querido amigo!
Em tempo gostaria de alertar: Qualquer semelhança com os personagens aqui descritos, será mera coincidência. Este esclarecimento se faz necessário porque alguém poderá achar que algum Prefeito tem jeito de Frade, colocar-lhe, imaginariamente, um hábito e apelidá-lo de Frei Xaxá. Eu não terei nada com isso; no caso o tal Prefeito é que será parecido com Frei Xaxá e não o contrário.



L U A D E M E L A T R A P A L H A D A


Eles eram duas pessoas comuns do nosso interior. Nasceram e criaram-se no duro trabalho do campo; já desde pequenos, aos oito anos de idade, ajudavam aos pais nos serviços da roça ( na lavoura não se desperdiça a pequena valia das crianças, é até dito popular: ”Serviço de criança é pouco, mas quem enjeita é louco”.
José da Silva, simplesmente conhecido por Zé e Benedita de Jesus, conhecida por Ditinha. Os dois cresceram juntos, visto que as duas famílias prestavam serviço na mesma fazenda, próximo a Jacutinga, Estado das Minas Gerais. Aprenderam a se gostarem; eram assim como dois irmãos; desde bem pequenos eram levados para a roça e passavam o dia à sombra de um pé de café; brincavam juntos, criando, eles mesmo, os brinquedos que eram constituídos de pedrinhas e folhas de plantas.
O tempo passou e à medida que cresciam, aquela amizade, de irmãos foi criando aspectos que nem eles mesmo se deram conta. Diziam a todos que eles amavam-se como irmãos. Todos percebiam que os olhares que trocavam e o carinho com que se tratavam, expressava mais do que uma simples amizade; sempre diziam - esses dois vão acabar casando-se - Eles levavam na brincadeira e iam levando a vida sem preocuparem-se com o futuro.
Transformaram-se em adultos (isso, na roça, acontece muito cedo, o trabalho, a vida, a responsabilidade amadurece as pessoas) e de fato começaram a sentir a transformação emocional do seu relacionamento. O Zé já tocava a sua própria roça e começava a pensar em constituir uma família. Ditinha, além de ajudar os pais na roça, era uma exímia dona de casa, cuidando de tudo em casa, enquanto seus pais trabalhavam.
E, se os dois precisavam constituir família, nada mais apropriado do que unirem-se, desde que todo o mundo já previa isso. As duas famílias entraram em acordo e o casamento foi marcado para o dia de São João, visto que tanto o pai do noivo como o da noiva tinham esse nome.
Os dois jovens não viam a hora que chegasse esse dia! Ansiavam para estarem juntos, na mesma casa, juntando os seus destinos que, desde criança ,já prenunciava uma vida cheia de ventura e felicidade.
Zé e Ditinha não compreendiam bem o que significava essa união, simplesmente conheciam a situação por verem as outras pessoas seguirem os mesmos passos.
Chegou o dia esperado! Foi aquela festança! Mataram um novilho que foi ofertado pelo padrinho da Ditinha que era dono da fazenda; o padrinho do Zé não quis ficar atrás e bancou a bebida, tinha até cerveja!
Na quinta-feira, que antecedia o dia de São João, que cairia no sábado ( porque casamento de pobre é sempre no sábado, segunda-feira já voltam para o trabalho) foram para a cidade e realizaram o casamento civil. Esse já foi um dia de festa, almoçaram em um restaurante, com refeição regada a vinho. À tarde voltaram para a fazenda alegres porque já eram “marido e mulher”; O tempo custou a passar para chegar o sábado, parecia até que havia decorrido um século! Mas chegou! Levantaram-se cedo, ansiosos que estavam. Quando eram dez horas da manhã chegou o padre Gregório que passaria o dia na fazenda, devido à longa distancia que a separava da cidade. E depois, precisava confessar os noivos; ele mesmo os havia batizado e ministrado-lhes a primeira comunhão; conhecia muito bem
essas suas ovelhas e sabia que nada de grave teriam para confessar; dois inocentes! Porém, obrigação é obrigação e ele realizaria tudo como manda a Santa Madre Igreja!
Às cinco horas da tarde, tudo estava pronto. As cervejas estavam gelando nos barris, cheios de gelo; o fogaréu para o churrasco já estava atiçado, a carne temperada. O pátio da colônia todo enfeitado! A igreja, então, estava uma beleza, tanto o altar como os bancos, todo enfeitados de flores naturais! (a pequena capela mais parecia uma catedral!)
O noivo, todo desajeitado, em seu terno azul-marinho, meio sufocado pelo colarinho e gravata, com os quais não estava acostumado, esperava aos pés do altar com os padrinhos. Uma vitrola começou a tocar a marcha nupcial e a noiva adentrou a capela pelo braço do pai, que também sentia-se desajeitado no terno que já servira para muitas cerimônias.
Um casamento sempre é uma cerimônia emocionante! Os dois jovens à frente do sacerdote, a Ave Maria tocando, os corações se confrangem, os nervos ficam “a flor da pele” e derrama-se a emoção. Naquele momento o nosso coração e a nossa mente aceleram e viajamos no tempo revendo os acontecimentos do nosso passado e volvendo projeta-se para o futuro; desejamos ter o poder sobrenatural para poder doar a felicidade àqueles a quem nós amamos. No entanto temos a consciência que a vida não é o que se espera; ela é uma incógnita que nos assusta!
Passada a emoção daquele momento, tudo é alegria e prazer porque a fé nos faz acreditar que tudo dará certo. E de fato a vida caminha e as coisas todas vão se acertando e quando percebemos o tempo passou e, olhando para trás., percebemos que Deus foi bondoso e misericordioso; que vencemos as nossas limitações e realizamos um trabalho razoável pela felicidade daqueles que dependem de nós.
A festa transcorreu animada; doces, churrasco, cerveja, correu até a cachaça; todos se divertiram a valer!
Como acontece, sempre, de improviso, apareceu um sanfoneiro e o baile se formou. Seu Laurindo (esse era o nome do sanfoneiro) era um caboclo que nem conhecia musica, mas era quem sempre supria a necessidade; dele poderia se dizer :”o sanfoneiro só tocava isso”. Lá pelas tantas, já meio cansada de dançar sempre a mesma coisa, uma negrinha, chamada Genésia, metida a sabida, virou para o sanfoneiro: - Seu Laurindo, por que o Sr. não toca outra coisa? O Sr. podia tocar aquela “Bolim, bolacho, bole em cima, bole em baixo”. Seu Laurindo se escandalizou - Que é isso menina, arre, credo, não fale uma coisa dessa!
À tantas, os noivos se retiraram. Foi uma Algazarra maliciosa! Iam morar em uma casa da própria fazenda. Ainda bem que a casa do lado, que era geminada, estava vazia, pois sendo sem forro, ouvia-se tudo que se passasse (sorte uma ova, pois alguns homens casados, aproveitaram-se da casa estar vazia para lá se postarem, antes dos noivos chegarem).
Os noivos, dois inocentes, de nada desconfiaram; chegaram em casa e prepararam-se para “dormir”. Nenhum dos dois sabia muito bem o que iria acontecer. O Zé, tinha sido “instruído” pelos homens casados da fazenda ( sabe como é, os homens sempre são mais sem vergonha nesses assuntos) porém a Ditinha não tinha a mínima idéia do que ia acontecer ( entre as mulheres da roça isso é um tabu que ninguém tem coragem de abordar).


Dai! Dai, quando chegou a “hora”, Zé, meio desajeitado, investiu contra Ditinha e esta se assustou.
O que qué isso Zé, você tá lôco?
Ué Ditinha, nois agora é marido e muié!
Não Zé, não faça isso, oia que eu vô gritá!
Não faça isso Ditinha, é ansim mesmo!
Não, iii, não, Zé! Onde já se viu? Não Zé, oia, ocê tá me machucando.
Ditinha tentando se livrar daquela situação que ela não sabia porque estava acontecendo, tocava a mão no peito do marido, tentando livrar-se daquela situação. Zé, excitado como estava, não resistiu e ejaculou, sem conseguir penetrar. Relaxou e interrompeu a “luta” . . .
A assistência, na casa vizinha, nem respirava de tanta excitação.
Ditinha, sentindo uma coisa estranha, no seu lugar de fazer xixi, passou a mão e vendo que estava molhada.
Ih! Zé, o que ocê feiz? Mijô tudo em mim!
A assistência, na casa vizinha, não conseguiu conter-se e rompeu em uma tremenda gargalhada.
Zé, percebendo a galhofeira, mais que depressa procurou silenciar a mulher.
Fica quéta muié, não é mijo não!
Dai é que as risadas foram maiores, e os malandros que estavam “espiando” trataram de dar o fora, para não serem descobertos; rolavam de tanto rir!
Quase que estragaram com a vida do casal. Mas foi só “quase”, pois as mulheres casadas perderam a timidez e, principalmente a madrinha de Ditinha, que era mais esclarecida, resolveram esclarecê-la e a “coisa” aconteceu até que sem dificuldade e, pelo jeito até a moça gostou pois já está esperando o terceiro rebento.
No começo Zé ficou meio ressentido, mas acabou por esquecer da xeretice dos vizinhos e, agora, até ele também faz o mesmo quando surge alguma oportunidade.



M E A C U L P A

Maura havia postado-se à cabeceira do caixão, onde repousava Espiridião. Primeiro havia exteriorizado toda a sua angústia e desespero, que emocionaram todas as pessoas que ali estavam, para renderem as últimas homenagens ao morto.. Derramou todas as lagrimas que poderiam existir naquele corpo esquelético em que os anos já haviam comido toda a carne. Depois aquietou-se, as lagrimas secaram e ela, com um ar bestificado, foi colocada naquela cadeira e não mais quis sair. De vez em quando olhava para o rosto do marido que apresentava uma fisionomia calma, parecendo que estava dormindo tranqüilamente.
Embora Maura mantivesse uma fisionomia inexpressiva, interiormente, uma verdadeira tempestade assolava a sua mente, que insistia em revolver a memória, trazendo coisas que já haviam sido esquecidas a tanto tempo! Procurava afugentar aqueles pensamentos mas eles, cada vez mais tomavam conta do seu consciente, parecendo mais um castigo que estava lhe sendo imposto.
Agora, que o marido jazia ali, mudo, é que ela começava a lembrar-se o quanto, de fato, ele valia! Era, sem sombra de dúvida, um homem bom! Tão bom que a perdoara de tantas maldades! Sentia-se . . . suja, diante daquele marido que sempre a respeitara e que tinha sido tão humilhado!
A primeira vez que o enganara havia sido com o próprio cunhado, irmão de Espiridião. Havia cismado que a concunhada se interessava pelo marido e, querendo vingar-se, seduziu o próprio cunhado, deitando-se com ele enquanto o marido trabalhava à noite. O irmão de Espiridião também foi culpado, pois deveria ter respeitado o irmão. O pior é que dessa aventura nasceu um filho que o marido sempre criou com se fosse seu. Agora, ao lembrar-se disso o peito doía de uma culpa que não conseguia dissipar.
Lembrava-se de outro caso, quando cismou, também (eram sempre essas suas cismas para justificar os maus passos), que o marido a estava enganando e gostava de outra. E isso só porque o marido já não a procurava com tanta freqüência ( mas quem poderia ter tesão por aquela megera que sempre estava de mau humor?). Desta vez foi com um íntimo “amigo” de Espiridião. Este o marido também descobriu. Houve muita má sorte! Primeiro foi aquela vizinha do apartamento que insinuou, quando de uma disputa por causa das crianças que perturbavam, jogando bola no corredor: O Sr. devia mais é tomar conta de sua mulher! Espiridião ouviu aquilo e fez de conta que não havia entendido. Dias depois, quando saiu de casa para ir a uma reunião, por acaso, esqueceu o livro caixa que deveria levar. Voltou de repente, e já encontrou a mulher na rua, que quando viu o marido ficou branca, gaguejou e acabou dizendo que ia na casa da filha que residia em um apartamento próximo. Espiridião só estranhou por ela ter saído e deixado a luz acesa e a televisão ligada, como a querer despistar a vizinhança. Espiridião guardou aquilo e ficou observando.
Quinze dias depois, Espiridião saiu para ir à “sua reunião” e postou-se nas imediações. Quando dali a pouco Maura saiu ele a seguiu e viu que a mulher estrava em um hotelzinho que era conhecido como local de encontros secretos. Espiridião teve tanto sangue frio que não fez nada, simplesmente aguardou por duas horas em frente ao hotel. Maura saiu primeiro e ele não deixou que ela o visse e fosse embora. Logo depois saiu um “grande amigo” da família, o Lucas Lopes. Espiridião acercou-se dele e o homem só faltou morrer. Ficou branco, gaguejou e com muito custo disse:
Não. . . é. . .é . . .o que . . .
Não saiu mais nada. Espiridião agarrou-o pelo colarinho e disse:
Olha, seu filho da P . . ., eu sei muito bem o que aconteceu. Desapareça da minha frente, desta cidade, deste país, porque, se eu te encontrar em meu caminho eu te mato . . .
Jogou-o no chão e foi embora.
Lucas Lopes, de fato sumiu, mudou-se para o Rio de Janeiro. Antes telefonou para Maura, nem quis chegar perto, e contou o que tinha acontecido. Maura ficou, por muito tempo, esperando que o marido falasse alguma coisa, mas ele nunca disse uma palavra.
Mas não perdeu o vicio. Dizem que o lobo perde o pêlo mais não perde o vicio. E é isso mesmo!
Maura ia lembrando tudo o que havia sido a sua vida. Casara-se com Espiridião porque era, praticamente, a sua última alternativa. Na verdade não gostava dele. O que ocorreu foi que o rapaz que ela realmente gostava, depois de “aprontar” deu no pé, deixando-a falada. Na verdade já era falada antes desse rapaz. Já tinha passado na mão de todos os rapazes do lugar. Era tida como a “maior galinha do lugar”.
Daí apareceu o Espiridião, rapaz já feito, maduro, bem posto, bem situado, pronto prá casar. Os pais fizeram tudo para aproximar os dois e Maura agarrou-se a isso como uma tábua de salvação. Mas esse casamento matou o seu desejo de aventuras, de romance! Considerava aquilo como o assassinato de suas esperanças de um encontro com um príncipe encantado. Por isso é que sempre procurava alguma coisa, algo diferente! Inconscientemente estava procurando algo subjetivo. Era uma busca vã porque o personagem que ela procurava existia tão somente em sua imaginação. Assim, depois de casada foi cumprindo a sua sina, passando de mão em mão, enganando o marido, embora isso não a satisfizesse. Os anos foram passando e o desejo não se apagava, embora ela desejasse descansar. Já não era um desejo carnal, porque não sentia mais prazer no contato. O corpo já não pedia aventuras, mas a sua mente doentia tinha que jogá-la no chão para rastejar, ainda, na imundície que transformara a sua vida. Maura era, na verdade, uma vítima da própria vida. Vítima das tramas de uma mente doentia
Agora ali estava ele, dormindo, tranqüilo, sem um mínimo de culpa em sua fisionomia. Enquanto Maura remoía tudo aquilo em seu íntimo! Tinha vontade de por fim à vida, de acabar com tudo; com aquele sofrimento! No entanto, era muito covarde para isso. Teria que continuar com aquela dor que a cada instante crescia dentro dela e represava-se sem poder sair, criando uma pressão quase impossível de suportar.
Chegou a hora e Espiridião foi levado. Partia tranqüilo. Já pagara, antecipadamente, o preço exigido para um descanso eterno.
Maura, pelo contrário, deveria seguir pela vida, tendo que usufruir, ainda, talvez por
muitos anos, o conforto que o marido havia se preocupado em deixar-lhe. Como viver esses anos que lhe restavam, carregando aquela tremenda carga de culpas?


O Ú N I C O C A M I N H O

Roberto terminou de escrever mais uma de suas histórias; como de outras vezes, a sua mente foi despertada por uma visão momentânea que desencadeou todo aquele acontecimento fantástico. Vira uma moça saindo de um restaurante, imaginou um problema íntimo e daí partiu para a formação de um enredo que o fez sonhar e realizar coisas inverossímeis. Mais uma parte do seu mais novo livro, que brevemente estaria nas livrarias propiciando-lhe o conforto com o qual já estava acostumado. Reuniu o material, releu e considerou encerrado o seu trabalho, juntando esse conto com os demais que compunham o calhamaço que deveria enviar ao seu editor.
Embora considerasse ter realizado um bom trabalho, algo estava acontecendo com ele; uma preocupação atrapalhava aquela sensação de sucesso; sentia um vazio ao qual não podia encontrar explicação.
Começou a meditar sobre a sua vida! Era um escritor de razoável sucesso; poucos poderiam se comparar a ele, que já publicara seis livros de contos, fora outros de poesias, e agora encerrava mais um trabalho, que como tudo indicava, também, estaria com as vendas garantidas. Por que, então, não sentia-se satisfeito?
Chegou à conclusão de algo que não era novidade; que a situação financeira e econômica, por si só não fazem a felicidade. A felicidade é um sentimento que precisa ser compartilhado. De que adiantará o prestígio, uma situação econômica confortável, se não tivermos com quem dividir. E era justamente isso que acontecia com ele; não tinha com quem dividir, com quem compartilhar as suas alegrias, e isso roubava-lhe a felicidade. Pesava-lhe uma imensa solidão!
Percebia que mais do que nunca, agora, esse sentimento tomava conta de todo o seu ser. Aquela jovem na qual se inspirara para escrever a sua última história, havia-o impressionado de maneira contundente. Depois desse encontro passou a lembrar-se dos seus anos de felicidade passada, com a esposa. Porque teve de acontecer aquilo? por que a morte teve de ceifar aquela vida no auge da juventude? A amargura, que havia tomado conta de sua vida, voltava, nesses momentos, dando-lhe um abatimento difícil de ser superado. A esposa fora vítima de um acidente de automóvel e viera a falecer no hospital. Por muito tempo se culpara daquele acidente, por permitir que a esposa viajasse, dirigindo por uma estrada, quando ainda não estava suficientemente experiente para transitar em locais mais movimentados. Com o tempo a coisa foi amainando-se, já haviam se passado quatro anos; mas de vez em quando, tudo voltava para desorientá-lo.
E o interessante é que aquela moça nem se parecia com sua esposa; pelo contrário, até se poderia dizer que era completamente o oposto. A moça em questão atraiu-lhe a atenção por ter um porte indefinido. À primeira vista não se poderia dizer se era uma moça ou um rapaz; foi justamente isso que criou, na cabeça de Roberto, a vontade de escrever um história.
Mas . . .finda a história, que baseou-se completamente em fantasia, por que aquela jovem não afastava-se do seu pensamento? Algo de misterioso havia acontecido! O convívio com aquela figura fictícia, por alguns momentos, enquanto escrevia aquele conto, tornara-o íntimo daquela personagem, que nem era sua conhecida, na realidade . . .Sim! Só a conhecia como figurante de sua fantasia e não a que era real e lhe inspirara a escrever.
Resolveu que deveria conhecer aquela “musa”. Nem poderia contar com a certeza de encontrá-la novamente, mas tentaria!
Por uma semana inteira postou-se em frente ao restaurante de onde a vira sair, mas não a viu. Sendo, aquilo, uma idéia fixa, continuou o seu plantão com o intuito de alcançar o seu objetivo. Já pensava desistir, considerando-se um tolo, por sua perseverança, quando, quinze dias depois, viu-a saindo do restaurante. Quando ela parou no ponto do ônibus, ele desceu do carro e foi andando, distraidamente e parou, também, no ponto. Não tinha a mínima idéia, em como poderia abordá-la, até que tomou coragem e perguntou:
O ônibus para a Cohab II passa por aqui?
Sim - respondeu a jovem - é o mesmo que eu vou tomar.
Obrigado . . .sabe . . .na realidade isso é apenas uma desculpa, o que eu desejava mesmo era falar com você.
Comigo? Eu nem o conheço!
Na realidade eu também não a conheço, mas . . .você me inspirou . . .é . . .eu sou escritor e . . .escrevi uma história sobre você . . .
O Senhor o que? Olha, eu não estou disposta a receber gracejos!
Não! Não é isso. É verdade . . .eu sou escritor mesmo e . . .é claro que a história não é sua. É uma fantasia! Mas ela nasceu na minha cabeça quando a vi, a alguns dias atrás, saindo do restaurante. Sabe, a nossa cabeça é assim mesmo. A gente vê uma coisa, presencia algum acontecimento e tudo desencadeia-se. A inspiração é, na realidade, um gatilho que aciona a fantasia para se criar uma história.
Bem . . .não sei o que dizer. Quer dizer . . . que eu o inspirei a escrever uma história! E posso saber sobre o que é? Gostaria de poder ler!
É claro que poderá, é simplesmente um história, fruto da minha imaginação . . .o que ocorreu é que depois de conclui-la me deu o desejo de conhecer a minha musa inspiradora. Geralmente isso não acontece; desta vez senti essa necessidade e fiquei de plantão a já uns quinze dias para encontrá-la. Não me leve a mal, não desejo ser importuno. Simplesmente gostaria de saber alguma coisa sobre você.
É claro, eu não estou levando a mal . Na realidade até sinto-me lisonjeada pelo acontecimento, não é qualquer pessoa que tem a ventura de transformar-se em heroina . . .meu nome é Joice Sanches . . .sou psicóloga e presto serviços eventuais a uma firma de Mococa. Por isso estou aqui, como aconteceu, também, a uns quinze dias. Sempre que a firma precisa dos meus serviços profissionais, me avisa e venho de São João da Boa Vista. Hoje foi um desses dias; quando isso acontece, geralmente venho almoçar nesse restaurante que a meu gosto é o melhor da região.
Muito prazer, Joice, meu nome é Roberto Alencar: sou escritor, como disse, viuvo a quatro anos e procuro preencher a minha vida através da fantasia que crio. Você passou a fazer parte desse sonho, quando me inspirou a escrever. Não propriamente sobre você, que evidentemente, nem conhecia; você foi o tiro de partida que fez desabrochar o pensamento, para que nascesse a ficção . . . se você não se importar eu a levarei até a firma; na verdade não ia tomar o ônibus, foi um pretexto, meu carro está ali adiante.
Eu aceito, então vamos . . .
Assim nasceu um relacionamento que, pouco a pouco foi solidificando-se. Sempre que Joice prestava serviço em Mococa, se comunicavam, almoçavam juntos, divertiam-se. Roberto ficou sabendo que Joice era desquitada; aguardava o tempo necessário para desfazer, definitivamente, uma relação que havia acontecido por falta de maturidade de dois jovens.
Aos poucos, Joice e Roberto foram conhecendo-se e encontraram, um no outro, tudo aquilo que poderia contribuir para a construção da felicidade. A jovem preencheu, na vida de Roberto, aquele vazio que a morte da esposa havia criado; pouco a pouco a amargura foi sendo substituída pela alegria de viver, de recuperar o tempo que passara recolhido para dentro de si mesmo. Agora, sentia acontecer um amor maduro em sua vida e dispunha-se a unir o seu destino a Joice que, também, ansiava por essa união que a arrancara da melancolia que a havia atirado um casamento desfeito. Estava apaixonada por Roberto e não via a hora de resolver a sua separação definitiva para casarem e reiniciar a sua nova vida. Estava prestes a ser homologado o divorcio!
No dia treze de Junho de l.989, quando o romance florescia e fazia nascerem sonhos e fantasias de felicidade algo ocorreu!
Roberto foi acordado pelo telefone! Havia deitado-se tarde, na noite anterior e recuperava o sono pela manhã, como era o seu costume. Levantou-se e quando chegou na sala o relógio de parede marcava quase onze horas.
Alo, Quem fala? . . .pôr favor, fale mais alto que não estou escutando. Quem? Da. Joana - era a mãe de Joice - sim . . .agora estou ouvindo, pode falar . . .
As palavras de Da. Joana soaram como um estrondo na cabeça de Roberto! Ele não sabia se estava acordado, ou se tudo aquilo era apenas um pesadelo do qual se livraria assim que acordasse. Mas não havia dúvida, a voz de Da. Joana teimava em repetir aquilo que ele não desejava ouvir.
O ex-marido dela . . .Eles se encontraram no tribunal hoje às nove horas e ele estava inconformado. Quis forçar a reconciliação; acusou-a de o estar enganando. Ela resistiu a todos os apelos e o juiz homologou o divorcio . . .ela estava eufórica quando saiu do tribunal, foi procurar um telefone para ligar para você e dar a boa noticia . . .aquele maldito . . .a seguiu e atirou nela . . .dizendo, você não será de mais ninguém. Ela estava tão feliz! ! ! e agora está morta, morta, morta, morta morta!
Aquela palavra ricocheteava no ouvido de Roberto a ponto de torna-lo louco.
Roberto desligou o telefone, foi para o seu quarto, como se houvesse se transformado em um autômato. Abriu uma gaveta e dela tirou uma arma automática 6.35...



U M A V I D A


Perder o pai, aos dez anos de idade, principalmente quando se pertence a uma família pobre. Significa a perda de perspectivas para o futuro.
Sair do “Grupo Escolar” e ir trabalhar para ajudar a família, abrindo mão de um mundo de ilusões, que na verdade pertencem, unicamente, ao sonho e à fantasia.
O desejo de evolução, a partir daquele instante, passa a ser controlado, ironicamente, por esse sonho e a fantasia que não existem.
Sem preparo, marchar pela estrada da vida, mesmo assim tendo de comprovar competência, procurando aprender, no convívio com a adversidade, coisas que armem o espírito para os embates a travar.
Árduos dias se passando, recolhido em si mesmo; debatendo-se, confundido pelo pavor; com medo do medo gerado! Medo de crescer, de assumir responsabilidade diante da vida; responsabilidade de ser adulto e seguir aquela rotina que a vida apresenta; casar, ter filhos, suprir as suas necessidades, torná-los homens, maduros, capazes, para que fujam de compartilhar um destino igual, amanhã!
E se tombasse, prematuramente, colhido pela morte? O peso do destino a criar um complexo de fatalidade! Um sofrimento pelo destino que estaria reservado aos filhos que nem ainda nasceram!
Nesses momentos vêm à mente as palavras do profeta de que “o justo não perecerá e à sua descendência nunca faltará o pão”. Seria justo como o pai foi para que nunca faltasse pão?
Os receios não impedem o florescimento do amor e ele aconteceu naquela vida. Um amor desejo que brigava para provar algo, que desmentisse a sua imaturidade. Ser homem, perpetuar a descendência!
E aí não existe mais racionalidade e envereda pela aventura, que espera seja venturosa; e que nem sempre é!
Passado o êxtase do primeiro encontro, onde duas almas se misturam, acorda para a realidade da vida; a responsabilidade, a luta infinda!
E os “rebentos” aparecem, frágeis, a esperar tudo de que precisam; amor, carinho, leite pão, arroz, feijão, carne, escola! Uma lista que se avoluma e desencoraja!
Novamente a angústia, as lutas internas!
Necessidade de sabedoria, para discernir os espíritos; uns calmos, outros rebeldes, todos crescendo, desejando alcançar o mundo, ser gente!
Oh! Deus! Ajuda-nos a cumprir a nossa missão, dá-nos sabedoria!
Depois vitórias!
Carreiras conseguidas, enveredam, também, para o mesmo funil, no qual os pais foram consumidos. A história se repete.
O milagre da vida, também a se repetir! Chegam os netos; alegrias, novas energias a fortalecer os espíritos, perspectivas futuras, convidando ao lançamento de um olhar para trás, para o passado, para que seja analisado, agora, com mais vagar, todo o caminho percorrido: mágoas, amarguras, mas muito mais alegrias, felicidade!
E que, afinal, vencemos!



U M J O V E M A L U C I N A D O
O automóvel entrou na pequena cidade do sul de Minas Gerais; nem era uma cidade e sim um sub-distrito. À entrada uma placa: Bem vindos a Milagres. O povoado possuía poucas ruas, com casas antigas, na maioria, e uma praça com um coreto ao centro, tendo, em uma das extremidades, uma igrejinha.
Aquela figura estranha que dirigia o automóvel chamava a atenção das poucas pessoas que estavam nas janelas apreciando o nada dos acontecimentos; um rapaz de uns trinta anos, barba crescida, olhar perdido, que parando o carro, desceu e entrou na igreja.
A pequena capela estava vazia; somente o padre encontrava-se ajoelhado bem à frente, orando, com o seu breviário aberto. O estranho caminhou alguns passos e ajoelhou-se poucos bancos atrás de onde se encontrava o padre, baixou a cabeça e pôs-se a orar; dali a pouco as suas palavras começaram a ser ouvidas como um murmúrio e as lagrimas banharam o seu rosto, expressando o desespero em sua fisionomia.
Por que Senhor, por que fiz isso se eu a amava tanto!
O Padre levantou-se do seu lugar e caminhou até parar ao lado do rapaz desconhecido.
O que aconteceu, meu filho? Há alguma coisa em que eu possa ajudar?
O estranho levantou a cabeça, limpou, com o lenço os olhos baços e baixou novamente a cabeça.
Ninguém pode me ajudar, Padre!
Não é verdade, meu filho, Deus sempre tem uma solução para os nossos problemas. Nunca deveremos nos desesperar; se abrirmos o nosso coração, para Ele, algo surpreendente poderá acontecer para aliviar-nos a angústia. Não existe situação desconhecida para Aquele que é Senhor de todas as coisas.
. . .Padre Roque condoía-se daquele jovem que espelhava tanto desespero.
Você não deseja falar comigo sobre o que o atormenta? Talvez isso possa alivia-lo; eu sou padre e poderei ouvi-lo sigilosamente.
Não sei! . . .talvez o Sr. . .o Sr.. . . tenha razão! O Sr. terá que me ouvir em confissão e guardar segredo.
Pode estar sossegado, disse o padre, vamos passar à minha casa que fica na parte dos fundos.
Os dois encaminharam-se para os fundos da capela e atravessando uma porta encontraram-se em uma sala de estar. Padre Roque mandou que o rapaz sentasse e pegou os paramentos para ouvir-lhe a confissão, enquanto observava, tentando desvendar aquela fisionomia melancólica.
Como é o seu nome, de onde vem?- perguntou, não recebendo resposta. O estranho continuava ali sentado, mas o seu olhar parado dava a impressão de que encontrava-se a quilômetros dali. Padre Roque, sentou-se em uma poltrona em frente e disse:
Quando quiser pode falar que eu estou ouvindo. Fechou os olhos e aguardou. Passaram-se alguns minutos que pareciam séculos, até que ouviu-se uma voz angustiada.
- . . .não sei se poderei falar . . .o que atormenta a minha mente . . .é por demais . . .acho que nem Deus poderá . . .eu nem tenho coragem de falar . . .
As palavras saiam engasgadas revelando a angustia de um coração que parecia ir explodir, e ele continuou ;
Sabe, Padre, nós somos, realmente . . .seres imperfeitos . . .sempre desejamos o que está fora do nosso alcance . . .e nesse sonho . . .tornamo-nos criaturas torpes . . .sem amor, embora imaginemos que amamos . . .eu a amava . . .agora que já é tarde tomei conhecimento disso, eu . . .como vou dizer-lhe?
O jovem esforçava-se para vencer aquela dificuldade, rebuscando as palavras que pareciam não querer sair de sua garganta.
- . . .eu, padre . . .eu . . .matei minha mulher!
Aquelas palavras finais saíram com uma enxurrada, como se aquilo fosse a resolução do problema! Cuspia para fora aquele veneno que o maltratava, que ardia em suas entranhas!
Padre Roque, acostumado a ouvir coisas surpreendentes, aguardou, calado, calmo, que o homem continuasse, depois de um momento, em que parecia procurar as palavras no fundo do seu inconsciente.
- Ela estava dificultando a minha felicidade, padre, e . . .eu tinha que fazer aquilo . . .era a única maneira de eu poder unir-me à jovem por quem eu estava perdidamente apaixonado. Eu tentei conversar com ela . . .eu mexi no frei do carro . . .quando ela viajou para Santos e . . .o “acidente” aconteceu . . .foi tudo bem planejado, ninguém desconfiou de nada e o caso foi arquivado . . .só que eu não consegui apagar de minha memória e o sentimento de culpa começou a crescer em meu peito, quase arrebentando, e eu sai, sem destino, nem sei a quanto tempo estou rodando, para fugir de mim mesmo . ..e não consigo!
O que você fez, meu filho, foi um ato condenável, disse padre Roque, que agora nada poderá remediar; você precisa arrepender-se e procurar pagar pelo crime que cometeu, perante a lei dos homens. Quanto a Deus, creio que Ele já o perdoou.
O rapaz desesperou-se.
Eu não posso pagar, eu não vou falar para ninguém e o Sr. não poderá dizer nada, também, porque me ouviu em confissão . . .eu . . .não posso ir para a cadeia, prefiro morrer!
Não, meu filho, eu nada direi, você é que deverá resolver o que deve fazer, mas se não procurar a policia isso continuará atormentando a sua mente; eu somente poderei orar por você, para que Deus o ilumine.
O rapaz, depois de ter passado por aquele processo, difícil, penoso, agora, aliviado pela confissão, acabou por ser tomado por um torpor que parecia hipnotizá-lo; tombou no sofá, em uma espécie de desmaio. Padre Roque, colocando a mão em sua testa constatou que queimava em febre. Profundamente penalizado, levantou-lhe as pernas para o sofá. Imediatamente saiu a chamar o médico, que residia próximo à igreja.
O médico, examinado o paciente, constatou uma infeção pulmonar e uma profunda depressão, receitando os medicamentos adequados ao caso. Padre Roque providenciou os remédios e passou a cuidar do doente. Somente cinco dias depois é que a febre cedeu e no dia seguinte o homem voltava a si, assustado, sem saber como chegara ali. Padre Roque esclareceu como ele chegara e a longa inconsciência, não mencionando a confissão.
Como é seu nome, filho? Não encontramos nenhum documento nem com você nem no carro.
Meu nome . . .
Parecia ainda meio tonto e padre Roque não quis força-lo.
Deixe isso para depois, você ainda está fraco; aos poucos irá lembrando-se, nós não temos pressa, agora que você já está bom.
Aos poucos César Dantas (esse era o nome do rapaz) foi lembrando-se de tudo.
- Eu sou escritor, resido em São Paulo. Viajei para um sitio de um amigo, para escrever, e não sei porque nem como cheguei aqui. No porta-malas do carro tem uma pasta tipo 007 e meus documentos devem estar lá.
De fato, no lugar do pneu sobressalente, que não encontrava-se no lugar, estava a pasta. César abriu-a e tirando os documentos mostrou-os a padre Roque e ao paroquiano que estava visitando o padre. Estava ali, também, um rolo de papéis com a última história que César havia escrito; entregando o rolo a padre Roque, pediu que o lesse e externasse a sua opinião.
Padre Roque começou a entender tudo quando, naquele manuscrito encontrou a descrição do “crime cometido” que lhe havia sido confessado durante a inconsciência de César. Tudo esclareceu-se: César fora acometido de forte depressão que lhe toldara os sentidos, e nessa inconsciência envolvera-se com os personagens de sua história.
Desses acontecimentos só ficou uma grande amizade entre César e padre Roque. Mais uma grande lição, que é quão frágil é o ser humano, cuja mente perde o controle de si mesmo e poderá levar o homem por caminhos imprevisíveis! Quantos crimes e atos de atrocidades podem ocorrer quando esse limite não é respeitado!



V I D A S R E C O N S T R U I D A S


A cerimônia de inauguração da biblioteca transcorreu animada, com discursos de praxe, servindo-se, em seguida, um coquetel; as pessoas espalharam-se pelas salas, examinando as estantes repletas de livros.
Kleber examinava alguns livros, já anotando, de memória, os que mais lhe interessavam, para solicitá-los para leitura, assim que a biblioteca circulante começasse a funcionar. Distraído, não percebeu a aproximação de uma jovem, que, também examinava alguns livros. Percebeu-a quando a mesma dirigiu-se a ele:
As moças . . .as bibliotecárias . . .me disseram que o Sr. é um assíduo freqüentador de bibliotecas . . .que sempre está presente em alguma delas!
É verdade, sou bem conhecido das funcionárias . . .gosto de ler, é a minha paixão!
Também é o meu passatempo predileto. Inclusive, tento incutir esse prazer a minha filhinha.
É muito positivo esse condicionamento; dizem até que a idade ideal para iniciar a leitura é logo depois do primeiro aprendizado. A criança, assim, aprende a gostar dos livros e isso a influenciará pelo restante de sua vida. Se bem que eu, por exemplo, escapo a essa regra. Não tive muita oportunidade de ler e apesar disso tenho verdadeira adoração pela leitura; deixo qualquer outro divertimento para “saborear” um livro. Consegui adquirir o primeiro livro quando já era, praticamente , adulto; teria uns quinze anos, mais ou menos. Antes, o único livro que conheci, além do livro de leitura da escola, foi a Bíblia, que meu pai sempre lia para nós ouvirmos. Me lembro, ainda, foi quando recebi o meu primeiro salário; sai do escritório da “Ligth” à Rua Xavier de Toledo e, atravessando o viaduto do Chá (eu tomava o bonde na Praça da Sé) passei por uma banca que vendia livros usados; não resisti e comprei, por um cruzeiro, o livro “Petrônio Satiricon”, que, por sinal, nem era um livro apropriado para a minha idade. Me deliciei com a leitura! Dai em diante, sempre que conseguia alguma sobra de dinheiro, comprava livros. No bairro de Santo Amaro, onde eu morava, não havia biblioteca; quando abriu a primeira, passei a frequenta-la e assim tem sido em todos os lugares onde tenho residido.
Quer dizer, que no seu caso foi uma coisa . . .podemos dizer . . .inata?
Na verdade foi. No meu caso desmenti a tradição de que as pessoas que lêem na infância, adquiriam maior prazer pela leitura. Não lia porque não tinha oportunidade; quando ela se apresentou, encontrou, dentro de mim, uma vontade incontrolável. Eu desejava conhecer tudo, recuperar o tempo que havia perdido.
E, o Sr. lê o que ?
Qualquer coisa! Em algumas ocasiões leio romances, outras história, política, sociologia, geografia, filosofia; qualquer coisa mesmo. Costumo brincar, dizendo que leio até bula de medicamentos, e de fato o faço; quando leio o jornal, não deixo de ler nem os anúncios, para benefício dos anunciantes!
A conversa estendeu-se por um longo período, até que a jovem pediu licença para atender a uma pessoa que a chamava. Kleber continuou a examinar os livros por mais algum tempo e depois dirigiu-se à porta para retirar-se. A jovem estava próximo à saída, junto com outras pessoas conhecidas e ao sair ele dirigiu um comprimento geral: Até logo! - Quando ia saindo a jovem disse:
Escuta! Tive muito prazer em conhecê-lo!
Oh! O prazer foi todo meu! respondeu Kleber sorrindo.
Foi um encontro casual como tantos outros, mas a imagem daquela moça ficou habitando a mente de Kleber. Nem havia perguntado o nome, e nem falara o seu, havia cometido uma indelicadeza! Pela conversa havia depreendido que a jovem era professora; calculava que deveria ter de vinte e cinco a trinta anos; quase a metade da sua idade! E deveria ser casada, tinha uma filha! Isso tudo, porém, não importava, pois o seu interesse era puramente formal. Gostou da conversa e gostaria de conhecer melhor aquela jovem! Talvez a encontrasse em outra oportunidade! Depois de alguns dias já não mais se lembrava e continuou a sua rotina; freqüentava a biblioteca sempre que podia.
Passaram-se uns quinze dias e em uma ocasião em que estava lendo, em uma das salas da biblioteca, alguém aproximou-se:
Oi! virou-se e era a mesma jovem.
Oh! Que prazer reencontrá-la! Sabe, pensei muito em você. Quando nos encontramos da primeira vez eu nem me apresentei e também nem perguntei o seu nome. Foi uma indelicadeza, me perdoe!
O meu nome é Maria Claudia, o seu eu já sei, é Kleber Souto, perguntei para as moças da biblioteca.
Então está ótimo, já nos conhecemos - Apertou a mão de Maria Claudia dizendo - o seu nome é muito bonito! Maria é o nome de minha mãe. Dizem, porém, que as Marias são sofredoras, a exemplo da mãe de Jesus. Você não me parece sofredora! E Claudia é um nome tão suave, parece uma melodia!
Eu tenho meus problemazinhos . . .mas procuro superá-los . . .
Oh! Desculpe-me, não era meu desejo entristecê-la.
Tudo bem, são coisas da vida . . .e até gosto de falar nas dificuldades . . .quando falamos nelas, diminuem de tamanho.
Kleber havia levantado-se e colocado, na estante, o livro que estivera lendo e fez sinal para Maria Claudia para que saíssem daquela sala, afim de não atrapalharem as outras pessoas que estavam lendo. Encontraram outra sala onde não havia ninguém e ali puderam conversar à vontade.
- O meu problema é igual a milhares de outros por este Brasil, ou pelo mundo todo - disse Maria Claudia - continuando - Dois jovens encontram-se, pensam que se amam e juntam suas vidas, imaginando que o mundo é deles. Logo que passa a “lua de mel” e começam a conhecerem-se, percebem que não era bem aquilo que desejavam. Nesse momento surge uma gravidez e instala-se nova euforia e eles tentam ficar juntos pela criança; logo percebem que não é possível e vem a separação . . .doida para eles, para o filho, para as famílias! Sabem que é o único caminho mas isso não os impede de sentirem suas vidas despedaçadas . . . É por isso . .que muitos casais acabam ficando juntos, mesmo sem amarem-se. Para fugirem de uma situação angustiante, a solidão, que julgam ser pior do que enfrentar os problemas do dia a dia.
Kleber ouvia Maria Claudia falar e pensava em como, realmente, as vidas e os acontecimentos se parecem! Com ele acontecera, também, quase a mesma coisa. Quando Maria Claudia parou de falar, comovida, ele, também, passou a contar a sua vida.
É incrível como as histórias das pessoas se parecem! Se eu contar a minha vida parecerá que estou repetindo a sua.
Você também separou-se?
Não, propriamente - respondeu Kleber - eu também casei-me bastante jovem, com dezenove anos, não possuía nenhuma experiência e fui envolvido por uma mulher mais velha do que eu. A conheci em um momento de carência afetiva e julguei ter me apaixonado. Ela, por sua vez, desejava casar-se para, de certa forma, vingar-se de seu ex-noivo que a abandonara por outra. Procuramos, um no outro, encontrar apoio para as nossas frustrações. O resultado foi um desastre total.
Você disse que não separou-se?
Sim e não. A nossa história, embora seja parecida com as demais, possui algumas nuanças especiais.
Eu . . .estou sendo inconveniente - disse Maria Claudia - não desejo fazer um inquérito sobre a sua vida . . .
Não tem importância - respondeu Kleber - eu também gosto de falar no assunto. Na verdade, não consegui entender o que foi que aconteceu . . .Acho que nós dois . . .Carmem e eu . . .Carmem é o nome de minha espo . . . . .ex-esposa. Acho que percebemos logo o que havia acontecido mas nenhum quis admitir. É sempre dolorido reconhecermos nossos erros! Três anos depois de nosso casamento nasceu o primeiro filho, e esse novo personagem veio, de certa forma, adiar o que estava prestes a acontecer. Dois anos depois nascia uma menina e mais dois anos se passaram para chegar o terceiro filho que também era um menino. Isso segurou, por algum tempo, o nosso relacionamento. Ele não era normal, mas era controlado por causa dos filhos. Quando completamos, acho que, quinze anos de casados, conscientizamo-nos, mais eu do que ela, que não havia maneira de nos entendermos. Tentei conversar a respeito, mas aí, ela colocou-se em uma posição irredutível, chegando a me ameaçar:
Se você separar-se de mim, os filhos é que vão pagar! Você não diz que os filhos precisam de um lar sadio?
Só, que o nosso não era sadio! Era uma chantagem indecorosa, mas eu, de maneira nenhuma poderia colocar em risco a estabilidade emocional de meus filhos, a quem amava mais do que tudo na vida. Fui obrigado a aceitar a chantagem e praticamente me destrui; torci a minha personalidade para procurar contornar uma situação incomoda.
O que ocorreu foi que nunca mais conseguimos nos entender. Nem sei se o sacrifício foi útil, de alguma maneira, aos meus filhos! Quando o último casou-se e ficamos sós, a coisa complicou-se. Mudamos para Mococa na esperança de recomeçarmos . . não havia nada a recomeçar . . .estava tudo morto . . . E daí tudo foi acontecendo naturalmente.
Carmem começou a ir passear , de tempos em tempos, em nosso apartamento em São Paulo, cada vez foi prolongando mais as suas estadas lá e eu fui ficando por aqui. Resolvemos, assim, amigavelmente, a nossa situação, sem nos separarmos oficialmente. Ela ficou lá, eu aqui . . . mensalmente remeto uma importância para as suas despesas, e ficamos livres, um do outro.
É, realmente a sua história, embora parecida, tem a sua originalidade! - disse Maria Claudia.
As histórias das pessoas . . .de muitas pessoas, dariam verdadeiros romances . . .de amor, ou de ódio ! - respondeu Kleber.
Kleber e Maria Claudia, encontraram muita afinidade, um no outro; passaram a encontrar-se com freqüência e com o tempo já se conheciam suficientemente para respeitar a personalidade, um do outro. A vida dos dois seguiu a rotina normal de uma cidade do interior. Ele trabalhava em casa escrevendo as suas poesias, os seus contos, que enviava para uma revista de São Paulo, e Maria Claudia, lecionava em uma escola de primeiro grau. Entre os dois crescia um sentimento em tanto indefinido. Amizade, amor? Maria Claudia, às vezes, tomava alguma iniciativa.
Você nunca pensou em unir-se a outra pessoa?
Não - respondia Kleber - não sei se conseguiria recomeçar um relacionamento com alguém, com medo do futuro. O que eu passei, foi tão marcante que deixou cicatrizes profundas. Prefiro não arriscar a sofrer mais.
Em certo dia, porém, Kleber telefonou para Maria Claudia para convidá-la a jantar em sua casa. Maria Claudia aceitou de imediato, pensando se isso não seria um sinal de abertura por parte de Kleber. Chegou pontualmente às vinte horas na casa de Kleber que a recebeu sorridente.
Você é pontual! O jantar ainda não está pronto, mas não demora. Você vai ter o prazer de saborear um prato preparado por mim. Não diga que não gosta de Strogonof Adoro!
Ainda bem! O meu é especial! - e passou a ensinar os segredos da culinária francesa. Quando terminou Maria Claudia exclamou admirada - Você, de fato, é um Mestre-cuca!
Maria Claudia olhou para a mesa, que já estava pronta e a sua esperança desvaneceu-se, estava arrumada para quatro pessoas.
Virão mais pessoas alem de mim?
Sim - respondeu Kleber - você vai conhecer dois amigos meus, sensacionais. Sabe! Eles formam um casal sui-generis. Amam-se, admiram-se, gozam juntos a vida, mas não residem juntos; cada um tem a sua casa, sem compromisso formal. Eles dizem que todos os casais deveriam ser assim; pois é a única maneira de o amor durar pela eternidade.
Embora decepcionada, pois desejava ficar a sós com Kleber; talvez para definir os seus sentimentos, Maria Claudia adorou Silvia e Mário. Realmente eram pessoas admiráveis e as horas transcorreram agradáveis; eram duas horas da manhã quando o casal amigo despediu-se e ofereceram uma carona a Maria Claudia, que tendo vindo sem o carro, aceitou, despedindo-se e partindo, ainda sem realizar as suas esperanças.
Olha, Maria Claudia, e vocês também, disse Kleber, a minha casa está sempre à disposição, quando desejarem aparecer serão bem recebidos; eu não tenho horário!
Várias vezes Maria Claudia foi à casa de Kleber, sem, porém, conseguir ficar a sós com ele; sempre havia mais alguém compartilhando o relacionamento. Maria Claudia percebeu que o relacionamento de Kleber era muito extenso, todos gostavam de conviver com ele porque, dado o seu desprendimento, a sua vida era dos amigos; sempre estava preocupado em resolver a dificuldade de alguém. E não só do seu círculo mais estreito, mas, principalmente de pessoas carentes. Maria Claudia teve várias oportunidades de acompanhá-lo a diversas visitas e através dele conhecer pessoas maravilhosas; pessoas que, embora pobres possuíam muita riqueza interior, despida de futilidade. Kleber possuía, aos olhos de Maria Claudia, um carisma que a deslumbrava! Ligou-se a ele, desejando, porém, cada vez mais, compartilhar de sua vida. Algo crescia em seu peito; ela não compreendia bem aquele sentimento delicioso que ao poucos tomava conta do seu coração. Um dia entendeu que estava apaixonada por aquela figura controvertida, que possuía tanto para dar mas que vivia sozinho, embora sempre estivesse ligado a tanta gente. Sentia, agora, uma necessidade premente de ficar a sós com Kleber para tentar penetrar e fazer parte de sua vida; não como amiga, que já era, mas através de uma ligação mais profunda.
Em um determinada noite, Maria Claudia, em vez de entrar na casa de Kleber, ficou dentro do carro, a uma certa distancia, aguardando. Quando percebeu que as pessoas já haviam saído, deu partida no automóvel e foi estacionar em frente da casa. Desceu, tocou a campainha e aguardou. A luz acendeu-se no alpendre e Kleber abriu a porta, demonstrando surpresa.
Eu estava preocupado por você não aparecer, ia telefonar amanhã para constatar se havia alguma coisa. Está tudo bem?
Sim, disse Maria Claudia, não aconteceu nada, eu andei por ai meio sem rumo e acabei vindo aqui . . .mas . . .já é tarde, você já devia ir deitar . . .eu volto amanhã!
‘Não, entre, você sabe que eu nunca tenho horário . . .e . . .estou percebendo que você está com algum problema . . .está tensa!
Maria Claudia ia entrando e já não conseguia controlar os seus sentimentos, começou a soluçar. Kleber amparou-a com o braço e conduziu-a a uma poltrona e, fazendo-a sentar-se, ajoelhou-se próximo a ela.
O que é que está havendo menina? Pode confiar em mim que eu a ajudarei, não importa o que tenha acontecido.
Eu não sei! ou antes . . .não é nada; não aconteceu nada. Eu sou uma boba, sinto-me deprimida . . .nunca havia analisado a minha vida e de repente me senti tão sozinha . . .sinto um peso demasiado . . . uma solidão sem tamanho . . .
Maria Claudia, existem momentos que todos nós nos sentimos assim; mas não é verdade que você está sozinha. Você tem sua filhinha, sua mãe e, todos nós estamos aqui e a amamos.
Eu sei! Estou . . . Estou mesmo sendo ingrata. Realmente tenho tanto! Agradeço a Deus por ter me dado tanta coisa de valor, mas desejaria mais, eu . . .gostaria que alguém me amasse . . .como mulher, porque é assim que tenho necessidade de ser amada . . .e amada por alguém que também eu ame! A vida solitária, embora com todas as prendas que possam oferecer, é uma vida vazia. Você entende isso, Kleber?
Entendo! Se entendo! Mas a vida é assim mesmo, um eterno desencontro; as pessoas nascem e desaparecem, muitas vezes sem encontrar a pessoa que lhe proporcionaria a felicidade. Acho que isso é um mistério que não temos a capacidade de compreender; parece que temos o dever de amadurecer, para só depois conseguirmos concretizar as nossas aspirações. Hora estamos separados por posições sociais; em outras ocasiões pelo tempo que nos faz nascer em épocas desencontradas, ainda em outros casos, pelo espaço, quando nascemos em lugares diferentes, um do outro. A posição social e a idade têm separado muitas pessoas que se amam. Ou, o que pode acontecer é: João ama Maria que ama Célia que ama Getulio que ama Luzia . . .etc, etc . . .ou simplesmente poderia acontecer: Kleber ama Maria Claudia que ama . . .
Kleber olhava fixamente para Maria Claudia e esta ficou estupefata. Ficou branca, quase desfaleceu; aos poucos a sua cor foi voltando, gaguejou e encorajando-se falou:
E . . .não poderia acontecer de . . .Kleber amar Maria Claudia e Maria Claudia amar Kleber? porque é esse o meu sonho . . .estou apaixonada por você Kleber! É um sentimento novo em mim, eu nunca o senti assim; é um êxtase que não gostaria que terminasse jamais; mas que vem criando uma expectativa e uma angustia que gerou esta insegurança em mim.
Kleber levantou-se de onde estava, ajoelhado aos pés de Maria Claudia e esta levantou-se também. Abraçaram-se , beijaram-se efusivamente procurando aliviar os sentimentos reprimidos por um longo tempo.
Logo, uniram os seus corpos para transformarem-se em uma só carne, realizando, aí sim, o casamento verdadeiramente abençoado por Deus.
Aquelas vidas destroçadas, que pela inexperiência tiveram que enfrentar momentos penosos de angústia e intranqüilidade, ainda puderam reconstruir as suas vidas, construindo um lar onde imperou o amor e a paz!


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Minhas Incursões Pelo Jornalismo
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Contos, Pontos e Contatos
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